O cansaço acumulava-se no peso das vivências e
circulava pelos meus dedos, à medida que o cigarro era consumido lentamente
pela minha alma. Os lábios secos pelos dias e noites de Inverno não conseguiam
tirar a essência da pequena substância graças aos ardores no meu espírito,
transparente para quase todos os corpos que circulam pelo planeta e erram
eficazmente quando a questão que enfrentam são as relações humanas. Sentado à
janela, com os estoures quase levantados (em que não se via os pormenores
deles), respirava o fumo para os vidros gelados. A neve que caia não tinha capacidade de fazer frente ao gelo que envolvia
o meu coração. Depois de tantos abandonos, só conseguia pensar que o
problema devia ser meu, da minha alma, da minha personalidade, dos meus
cabelos, dos meus olhos, dos meus lábios. A frieza e um desprezo por um amor
colocado num futuro tão próximo levariam a um afastamento da normalidade dos
acontecimentos, nem o cigarro conseguirá aquecer os meus pulmões recheados de
poluição alheia. Tenho o coração destruído, tenho-o calmo neste preciso momento
como se nada conseguisse conquistá-lo ou destrui-lo, não existe qualquer
reacção a um impulso enquanto estou sentado à janela, no meu mundo poderoso e
controlado pelas minhas vontades. As depressões chegam mal um dos pés toca na
zona fora da caixa, a tentativa de derrotar rotinas leva a essência de muitos
para o esgoto. Uma luta por um vazio, quando as ambições são demasiadamente
elevadas e a luz ao fundo do túnel desaparece, a primeira pela qual os olhos
despertaram. A manta que enrolava as minhas pernas numa temperatura estável
apareceu antes de começar a escrever, a ditar os podres da minha existência.
Afinal sou demasiadamente introspectivo, penso demasiado em mim, comando a
pensar no meu bem e esqueço-me de tudo o resto. Estou bem, estamos todos bem,
basta a mente estar dentro deste modo, na individualidade de que todos os seres
humanos são e devem ser capazes de conservar, amar e defender. Mas quando o
gelo envolveu o meu coração, nem o amor-próprio escapou. Sob as diversas
paredes que constroem uma casa, guardo um monstro. O monstro do abandono, que
sente profundamente a ausência de diversas almas e pessoas (porque existe uma
diferença abismal, se querem saber). Faltam uns segundos lábios, sente-se um “agora
não dá” e promessas que foram feitas e conseguem aquecer. Existem os
momentos em que não aquecem em que o medo se apodera das veias e desacelera o
bombear do sangue. Os momentos de sufoco em que a mão prevalece sobre o
peito, na tentativa de acalmar a caixa torácica, todos os órgãos que querem
sair da boca. Desaparece em seguida, a confiança adquire as tonalidades do alma. Nunca existiu sentimento mais poderoso à face da Terra.
Solto lágrimas, a aparência do meu rosto
desfalece na solidão da minha casa, o cigarro consome-se entre fumo e o arder
natural, provocado pela chama minúscula. Essas lágrimas, nascidas da maior
podridão, são o reflexo natural das escolhas individuais e alheias. As escolhas
dos outros que condicionam e dão novos rumos, para conseguir dançar com os
sapatos correctos. O cansaço teimava em
acumular-se nos meus pulmões para me destruir, para deixar-me numa morte rápida
e sem dor. Pouco me importa como estavam os meus cabelos nesse final de
tarde, à medida que via o Sol a desaparecer num horizonte desconhecido, dou
mais importância ao estado dos meus sentimentos. À elevação da emoção ao invés
da racionalização, quem sabe da emotiva. Passava-me tudo pela cabeça, os beijos
trocados, as partilhas efectuadas, a confiança conquista, os orgasmos
atingidos. E sentia falta dos beijos e dos orgasmos, uma vez que as outras
duas permaneceram. Mas é isso que falta? – Pergunto-me ainda muitas vezes.
Beijos e orgasmos arranjam-se ao virar da esquina, se estivermos dispostos a
não sentir mais. Vendem-se às prostitutas carnais, se for preciso. Mas é isso
que me falta?
O meu coração não aguenta. Sente falta mas
precisa de descansar. O Inverno leva-me a dar uma volta, na brisa gelada e no
consolo do fogo. O cigarro queimou-se na solidão, entre os meus dedos. Deitei-o
pela janela, quando entrou o frio. Os meus lábios ficaram ainda mais secos, os
meus cabelos mais esgadelhados mas o meu coração continuou intocável. Intocável, é essa a palavra correcta.
Um dia vai morrer e há segundos em que desejo profundamente, em outros faço uma
vénia à eternidade. Quem sabe se não o faço à medida que escrevo. Tantas vezes penso que só escrevo merda.