26 março, 2014

O padrão geométrico de todos os corações


Os teus braços, as minhas mãos, os meus lábios quase carnudos e os teus cabelos castanhos, desgrenhados logo pela manhã, os nossos olhos inchados ao despertar numa mistura incontrolável de cheiros. Nos lençóis da minha cama, com os gatos das vizinhas a miarem e a lutarem à minha janela. São esses alguns dos sons e movimentos que cheiramos pela manhã - nesta confusão de cheiros e sons que sinto de madrugada, ainda o Sol acena por todas as nuvens cinzentas no céu presente no infinito da minha cabeça. Os meus braços a agarrarem os teus ou a minha língua a saborear o teu peito trazem um turbilhão às minhas semanas, é daqueles tornados recheados de carne e sangue num zigue zague tremendo. 

Que costurem aqueles que clamam que as relações não devem ser um padrão geométrico, segmentos alternados. São tantos os seres humanos a falecerem no meio da rua, a esvoaçarem das aves que sentem um prazer, inocente a meu ver, de apararem. Segurar, com os ossos das asas, um corpo quase morto forma uma monotonia. O chá ferve todos os dias por volta das cinco, se saíram cedo do trabalho. O alarme de alguns carros despertam na madrugada, por serem sempre as mesmas mãos a tentarem arrombar. E sabe bem acender as luzes às quatro da manhã para afastar fantasmas ou os corpos que elaboram sempre as mesmas artimanhas. 

Os meus lábios encontram os teus, logo pela manhã, e perpetuam o lugar de paraíso que és. Os meus dentes tocaram na tua carne, numa tendência de canibalismo que nasce em mim todos os dias. A cada dia apaixono-me cada vez mais por ti.

10 março, 2014

Cada olhar ainda é o primeiro



Os dias são cheios de ti, da tua carne, dos teus olhos castanhos e das tuas palavras.
Nunca me viste dançar no meu quarto, na hora em que estou a ouvir os meus discos predilectos, mas um dia vou deixar-te, por ser tão relaxante. Liberto fantasmas e tensões em menos de cinco minutos, depois de um café com algumas das minhas almas gémeas. Ao contrário do que possam dizer, as almas gémeas também se encontram nos amigos. Nos seres que nasceram para abraçarmos, para tocarmos com as nossas mãos e para acolherem as nossas lágrimas. Sei que elas acolhem as minhas frustrações nos grandes baús, colocados na veio mais desprezível do coração.
Continuas a seduzir-me, tantos meses depois. Cada olhar ainda é o primeiro.

06 março, 2014

Ao mergulhares nas minhas águas



Nunca mergulhaste em mim, nas profundezas das minhas águas e nos meus encantos de espuma, superficiais como toda a espuma do mar. O Sol renasceu no horizonte e derrotou todo o frio inquietante, temperaturas de um inverno vestido com um fato de ouro, a iludir todos os crentes e sôfregos por um raio solar. Sentiam-no a brilhar lá ao fundo, em territórios longínquos, no instante em que gelava todos os ossos do corpo. Encanto-me com os teus lábios, perdidos na rouquidão do teu chamamento em dias de nevoeiro, apaixona-me a tua delicadeza em dias de tempestade. Falta-me um casaco até aos pés nesses dias, em que molhas os pés e não consegues entrar nas ondas violentas, recheadas de forças, nascidas no meu interior hercúleo. Injetas-me adrenalina em todos os momentos de discussão e de paixão. Ao passares a língua pelo meu peito, ao saboreares a minha pele e ao gritares para mim, à espera que corrija um defeito humano. Como se os defeitos não fosse humanos, num universo paralelo. Constróis uma relação ao meu lado, a mergulhares em águas desconhecidas. Passa-me a mão no rosto, prepara-me a pele moreno e os cabelos castanhos, o sal é destruidor e corrói-me a graciosidade. 

Ao entrares nas minhas águas salgadas vais desejar mergulhar de olhos abertos. Bem abertos para assimilares todos os meus recantos, os meus segredos e as mentiras escondidas no fundo de um baú, presas ao passado, arrumadas até à minha morte. Arregala os olhos para me veres, para sentires a minha respiração, o dióxido de carbono libertado, imaterial, gasoso aos olhos humanos. Os meus olhos ternos alimentam os teus peixes, as tuas águas e qualquer outro ser vivo. Cigarros, cigarros são agarrados pelas tuas mãos e colocados nos teus dedos para assimilares todo o fumo. Não te deixes poluir, o teu reino e a tua vivacidade sagaz. Entra em mim, flutua, deixa os teus caracóis dissolverem-se pelos anos ao meu lado, com a minha alma a acompanhar-te todos os dias. Dias recheados de sol, dias inundados pelas águas da chuva. Chuva cada vez mais poluída pelos carros que circulam nesta cidade horrenda e violentamente bela. Foge para a praia, quero correr atrás de ti. Abraça-me, mergulha comigo. Os dias somos nós, cada partícula do nosso corpo, cada comportamento. Os dias morrem em nós e nós morremos com eles.