Do pó que se
levanta, por toda a terra sem vida. Sem inclinação, sem novas flores a brotar, e
ervas daninhas por todos os cantos. A desbravarem caminho para o calor do Sol e
da vida, entre os meus pés descalços. O vento, a sentir-se entre as minhas
vestes largas e sujas pelo tempo, a suavizar as inseguranças nascidas dentro da
minha mente. Não resta uma ponta de beleza à minha pele, neste dia tão abafado
para os meus pulmões secos. Pelo fumo do tabaco, a entrar e a sair. A entrar, a sair, a entrar, a sair pelos
meus lábios. Tudo o que é belo é-me levado, à medida que a água é cada vez mais
escassa. Resta-nos, a todos os seres humanos descalços, um largo oceano. Águas
cinzentas, com sal a boiar na superfície, a terminarem ao largo de praias
abandonadas. No meu caderno, com capa negra comprado numa loja chinesa, não me
faltam as palavras. Nascem em catadupa, aos pares, a envolverem em trios
recheados de amor e em certos grupos restritos. Grupos de palavras vorazes por
toda a escuridão da humanidade, em que felicidadezinha
ou vidinha não entram. Todos os
substantivos que terminam na maldita –inha.
Um pó, misturado com a areia, que se levanta e entranha nos meus cabelos
desgrenhados. Demasiado deja vu ao ler este texto, não achas? Demasiada
coincidência e cenário, não é? Um vento conveniente para inflamar o meu estado
de espírito enquanto escrevo. Quem sabe se uma mudança drástica na minha
escrita não acorde as almas mais perdidas, deixadas ao relento por donos
incapacitados, que nem cachorros abandonados. No meu caderno negro desfila uma
vida crua, à espera de uma espécie de salvação. Quando Me irás acudir? Ouvir as
minhas preces? No meu caderno, sem páginas soltas, vivo um pouco mais à tua
espera.
Numa mistura entre a divindade e tu, só te
quero escolher a ti. Não me importo se coloco a minha alma em cheque, pronta a
ser entregue aos fantasmas, ou se entrego o meu corpo a depravados. Ao escrever
isto questiono-me sobre o verdadeiro significado de «depravados». Imoralidade?
Irracionalidade? Não, tenho de riscar isto e este brainstorming. Recomeçando,
mais uma vez, num ciclo vicioso. Numa mistura entre a divindade e tu, quero
escolher-te a ti. Como quem escolhe um novo coração, uma nova vida, um recomeço
sem defeitos. Faltam-me as palavras para te chamar, num grito desmensurado,
neste pedaço de terreno à beira-mar. Morro em cada pensamento, a cada tentativa
materializada num sonho ou pesadelo. Nos momentos em que adormeço no sofá,
depois do almoço, fecho os olhos e vejo a escuridão. Ao contrário dos filmes
mais comerciais, nem os vilões conseguem o seu final feliz. A realidade é o final
e enquanto escrevo, o futuro torna-se no passado por já ter sido referido. Tu tornas-te
passado, só por te colocar no papel e desapareces. Das minhas mãos, do meu
corpo, dos meus olhos castanhos. Fica aqui, ao meu lado, a passar por entre as
ondas. Neste mar que pode ser tão nosso.