28 abril, 2016

Do pó que se levanta por toda a minha alma, ao pé do oceano


Do pó que se levanta, por toda a terra sem vida. Sem inclinação, sem novas flores a brotar, e ervas daninhas por todos os cantos. A desbravarem caminho para o calor do Sol e da vida, entre os meus pés descalços. O vento, a sentir-se entre as minhas vestes largas e sujas pelo tempo, a suavizar as inseguranças nascidas dentro da minha mente. Não resta uma ponta de beleza à minha pele, neste dia tão abafado para os meus pulmões secos. Pelo fumo do tabaco, a entrar e a sair. A entrar, a sair, a entrar, a sair pelos meus lábios. Tudo o que é belo é-me levado, à medida que a água é cada vez mais escassa. Resta-nos, a todos os seres humanos descalços, um largo oceano. Águas cinzentas, com sal a boiar na superfície, a terminarem ao largo de praias abandonadas. No meu caderno, com capa negra comprado numa loja chinesa, não me faltam as palavras. Nascem em catadupa, aos pares, a envolverem em trios recheados de amor e em certos grupos restritos. Grupos de palavras vorazes por toda a escuridão da humanidade, em que felicidadezinha ou vidinha não entram. Todos os substantivos que terminam na maldita –inha. Um pó, misturado com a areia, que se levanta e entranha nos meus cabelos desgrenhados. Demasiado deja vu ao ler este texto, não achas? Demasiada coincidência e cenário, não é? Um vento conveniente para inflamar o meu estado de espírito enquanto escrevo. Quem sabe se uma mudança drástica na minha escrita não acorde as almas mais perdidas, deixadas ao relento por donos incapacitados, que nem cachorros abandonados. No meu caderno negro desfila uma vida crua, à espera de uma espécie de salvação. Quando Me irás acudir? Ouvir as minhas preces? No meu caderno, sem páginas soltas, vivo um pouco mais à tua espera.


Numa mistura entre a divindade e tu, só te quero escolher a ti. Não me importo se coloco a minha alma em cheque, pronta a ser entregue aos fantasmas, ou se entrego o meu corpo a depravados. Ao escrever isto questiono-me sobre o verdadeiro significado de «depravados». Imoralidade? Irracionalidade? Não, tenho de riscar isto e este brainstorming. Recomeçando, mais uma vez, num ciclo vicioso. Numa mistura entre a divindade e tu, quero escolher-te a ti. Como quem escolhe um novo coração, uma nova vida, um recomeço sem defeitos. Faltam-me as palavras para te chamar, num grito desmensurado, neste pedaço de terreno à beira-mar. Morro em cada pensamento, a cada tentativa materializada num sonho ou pesadelo. Nos momentos em que adormeço no sofá, depois do almoço, fecho os olhos e vejo a escuridão. Ao contrário dos filmes mais comerciais, nem os vilões conseguem o seu final feliz. A realidade é o final e enquanto escrevo, o futuro torna-se no passado por já ter sido referido. Tu tornas-te passado, só por te colocar no papel e desapareces. Das minhas mãos, do meu corpo, dos meus olhos castanhos. Fica aqui, ao meu lado, a passar por entre as ondas. Neste mar que pode ser tão nosso.

16 abril, 2016

Em segundos, horas, dias e nenhum sinal teu


Não há lugar tão seguro como o teu corpo. Deitado sobre os lençóis encardidos pela sujidade dos nossos corpos, do suor que escorre em todos os dias de trabalho, fixo-te os olhos castanhos. Espelhos do meu rosto, quando me falta um espelho do meu tamanho pela casa, terrenos capazes de refletir a minha liberdade. É esses olhos que gravo, antes de beijar os teus lábios. São esses olhos que ficam no meu pensamento antes de percorrer o teu pescoço com a minha língua, sem medo de sentir essa barba áspera. É provável que, há uns anos atrás, tivesse medo de expressar a nossa paixão, o desejo que gasta horas do nosso dia, nos fins de semana em que nos encontramos. Talvez fosse mais certo não conseguir escrever sobre o amor que nos consome todos os dias, com medo de ver todas as mensagens, cartas e passagens nas mãos e bocas erradas. Mas, tanto tempo depois, é certo que o medo é o maior desestabilizador da vida de qualquer ser humano. Cabe ao coração e às minhas palavras afastar esse receio de descrever-te, de falar sobre o sexo, os medos, as inseguranças, os beijos. Os teus lábios sobre os meus, a sentir a minha respiração…

Escrever, escrever, escrever, escrever. Sem ver o fim da narrativa, sem perceber o segundo em que tem de largar as suas palavras, a sua ânsia em voltar a revê-lo. Escrever, escrever, escrever para afastar a sua ausência, as palavras que ficaram por dizer no dia em que decidiu não regressar a casa. Duas mãos retiraram-lhe o tapete debaixo dos pés, tão repentinamente, tão violentamente. Cansa-se, aos poucos, das palavras acabadas em –mente, tão erradas na tentativa de descreverem os seus sentimentos. Quer acalmar a sua sofreguidão, ao recorrer às palavras que coloca no papel, longe de descrever as suas próprias cenas de sexo, mas não consegue encontrar as mais corretas. Com tantas à escolha, é-lhe impossível saber as mais dignas. Fidedignas, digamos. Não lhe resta esperança mas basta-lhe escrever, escrever, escrever para espantar todas as mágoas da alma. Esse manto invisível e suave que envolve todos os órgãos, com uma atenção especial ao coração. Quem sabe se a alma não seja só mais produto, um fruto nascido do terreno entre a ficção e a realidade.

Deixa cair a caneta de tinta azul no tapete da sala, ao sentir a mãe a entrar pela casa, com o barulho das chaves a ecoarem por todo o hall de entrada. No segundo em que a caneta aterrou em cima do tapete, colocado naquele chão de mosaico avermelhado, em tons de vinho escurecido, quis descobrir como tinha escrito todas aquelas palavras. Um produto proveniente das saudades, talvez. As suas palavras, rascas construções a olharem para o seu corpo no momento em que tirava a camisa para ir tomar um duche. Sem resistir-lhe, não hesitava em colocar os meus lábios no seu corpo, antes de o deixar ir escorrer o seu cansaço debaixo do chuveiro. Palavras interrompidas pelo chamamento da minha mãe, com os seus pensamentos a milhares de quilómetros de distância. Descrevia-me, entre berros e palavras exclamadas a um volume demasiado alto, as aventuras da minha irmã, em terras inglesas. Dos pacientes atendidos, das lágrimas libertadas por presenciar as doenças capazes de comer, em carne viva, os seus pacientes. A sua quase família em terras distantes, estranhas às suas raízes. A minha caneta voltava para as minhas mãos, colocada em cima da mesa, e a aflição no meu peito continuava. Só queria escrever, escrever, escrever e escrever, mais uma vez, para colocar-te no fundo dos meus pensamentos.

Derrete-me o corpo. Percorre um chão com os restos do meu corpo. Deixa que a chuva caia sobre os pedaços derretidos de mim. Escorra pela calçada deste país, pelas águas salgadas do mar, estarás sempre em mim. Nestas obsessões que crio à tua volta, nos cadernos que deixei no meu quarto, em cima da mesa de madeira. E, sem nada prever, abandonaste-me. Foste percorrendo a rua do nosso apartamento, com o guarda-chuva aberto, para te misturares com a multidão e desapareceres. Em segundos, em horas, dias e nenhum sinal teu. 

13 março, 2015

Esperança


Não consigo sentar-me, descansar, flutuar. As lágrimas desaparecem ao tocar o chão, dada à alta temperatura na minha pequena sala de estar. Sem tempo de calçar uns bons sapatos, comprados na Feira da Ladra a uma senhora idosa, para alimentar feridas no meu corpo. Sem equilíbrio para me manter em pé, forçar o meu corpo numa posição rigída – ou será frígida? Os meus olhos morrem ao tentar acompanhar um ano de sensações, tarefas, sentimentos, enrolados em leves memórias de um passado ainda mais distante. Um rio monótono, sem peixes ou algas, a inundar as minhas recordações. Não há um presente sem um toque de várias camadas do passado e o futuro permanece durante poucos segundos no pensamento. Encosto-me a uma parede para amparar o meu corpo, uma forma de prevenir uma queda mais violenta no meu lar. Um lar inundado por corpos, lábios, copos de vinho, frases construídos pela minha mente. Desço aos poucos encostado à tenra parede, com lágrimas a morrerem aos meus pés, para tentar alcançar o ano de duro trabalho e o assassinato de há alguns dias. Um país em profunda crise económica e cultural dá todas os acessórios para os dentes ficarem à mostra em qualquer ser humano. A minha cabeça encosta-se ao chão para queimar o resto de cabelo mal apanhado e, violentamente, terminar com a minha imagem castradora. Castro-me mas capacito-me para todos os padrões exigidos do outro lado da secretária, sedentos por escolherem a dedo um novo escravo. Em qualquer país em crise é fácil escolher escravos saudáveis, há uma ajuda do Reino para essa tarefa. Ao final do dia, os escravos – talvez seja melhor usar a palavra trabalhador para não afectar almas sensíveis – caem no chão das suas casas, sem conseguirem ver o futuro mais próximo, e um grito de desespero amolece as paredes de barro. 

Os meus amigos apelam para continuar a caminhar e todos olhares de inveja, desgraça e destruição apelam para a minha morte. Um morte longe de estar presente nos meus dedos e no meu coração. A temperatura do meu chão desce e o sofá permanece vazio. Sento-me, descanso, flutuo e permaneço com um brilho nos meus olhos. Nem todos necessitam de mostrar os dentes, sedentos. Sangue não se transforma em tinta para paredes brancas.

19 dezembro, 2014

Da ode ao passado e a todas as amizades destruídas


(escrevi-te com este senhor na cabeça. Walt Whitman, inspira-me a cada dia que passa. começo a pensar se a minha verdadeira religião pertence à literatura e aos grandes escritores e poetas, ao invés das figuras religiosas, a Ele. perdoa-me porque não quero destabilizar qualquer presença superior, colocada na bíblia mas não deixo de me sentir em casa à medida que abro um bom livro e as páginas começam a ser viradas, transformam-se em amor, do mais puro que senti por objetos e por uma arte. levam-me, Whitman, antes de começar a tentar escrever)

O passado é, na maioria das vezes, um chão cheio de cacos de vidro. Pedaços de espelhos partidos espalhados pelo chão, num espaço que os meus pés descalços circulam. O caminho faz-se mentalmente, nas horas em que nem os livros ou séries conseguem acalmar-me e deslumbrar-me, sem mãos dados a nenhum ser humano do presente ou futuro, esse cada vez mais próximo. O passado corta-me um pedaço do lábio, esvazio-me de sangue sujo para sentir a dor de escolhas pessoais ou alheias. Quando o chão está cheio dos nossos cacos de vidro, provenientes das nossas escolhas, há sempre forma de encontrar uns sapatos para evitar as feridas nos pés, sejam de boa qualidade, tenham péssimos acabamentos ou materiais sem resistência. A fatalidade reina nos cacos de vidro espalhados por uma outra pessoa, que come um dos nossos órgãos, levando um pedaço da minha essência. O passado é um chão cheio de cacos de vidro para me cortarem as costas, na brisa suave embaladora dos meus sentidos. Um corpo despido de preconceitos, sozinho, no meio de uma divisão sem cómodas ou armários. O meu corpo permanece em convulsões, à espera de uma das tuas palavras para voltarmos a conversar, a partilhar a mais profunda das intimidades. O passado é, na maioria das vezes, uma armadilha. 

Nunca te escrevi por pensar que devias ser tu a corrigir os erros que nos colocaram nesta ausência. Não há palavras, não há carinho ou ternura em poucas palavras trocadas, mesmo as enviadas. Há tempo para presenciar a tua evolução sem mim, tenho quase os olhos fechados à tua presença digital mas não resisto em dar uma espreitadela. A nossa relação não envolvia beijos na boca, orgasmos intensos ou brincadeiras com sexo, estava longe dessas ações. Uma intimidade confortável suavizava as nossas partilhas, desabafos reles sobre as nossas curtas vidas e seriedade pelas horas de maior fragilidade. Escrevo-te por me teres abandonado o barco e por nos teres transformado num passado, em que os teus cacos permanecem no meu chão. De forma voluntária, na tua cadeira, decidiste deixar cair a maioria dos espelhos que compunham a nossa sala de estar. As janelas, esplendor de um novo dia brilhante, foram fechadas e o ar nunca mais circulou na nossa casa. A nossa casa singela, a nossa amizade pura. Os vidros espalharam-se pelo chão, rodaram durante horas num circulo pouco percetível ao olhar humano. Os meus olhos ainda hoje choram pela nossa amizade, instalada no passado, desmaiada no chão com cacos de vidro. Escrevo-te pelo constante medo em ouvires, de forma altiva, a minha sinceridade – uma característica capaz de incomodar e destronar o teu universo cor-de-rosa, um mundo criado na tua cabeça para viveres melhor. Nem sequer tentes dizer mentiras, apontar para o meu possível engano, já que os anos em que vivi ao teu lado (mesmo de uma forma digital, o romance da presença e do tato termina e nem conseguimos fazer nada para impedir) deram-me capacidade para te conhecer como a palma das minhas mãos.

Tinha gosto em saber se soletras o meu nome, tenho as minhas dúvidas, cada vez maiores sobre este comportamento. As minhas delicadas mãos, com unhas roídas, pegam num dos teus cacos de vidro e cortam um pedaço de carne do meu lábio inferior. Para, de todas as vezes em que decidires passar os teus lábios na minha bochecha, sentires o cheiro a sangue. Hoje não se canta a amizade. Tinhas tanto gosto nos momentos em que escrevia para ti e nunca te mostrei as dezenas de textos que fiz, a pensar em ti. 

17 dezembro, 2014

A tua língua tende a sacrificar-me a sanidade


Os frutos vermelhos, amadurecidos pela passagem do tempo, não permanecem muitos dias na base de vidro da tua sala de estar. Uma cozinha amarelada pelo fumo dos cigarros soltos, em reuniões intermináveis e conversas infinitas. Paredes descascadas, em que pedaços de tinta caem em noites de tempestade à medida que os teus dois gatos negros percorrem cada canto, à procura de um novo tesouro ou de um novo recanto para adormecerem. Restam as maçãs verdes, numa base de inocência firme e longe de enfrentarem a brisa diária, carregada de injúrias e embates, que lhes leva a cor. Mas as tuas mãos lançam-se a cada maçã que tende a amadurecer, para levares aos teus lábios e não devorares em demorados minutos. São minutos de transpiração, de sofreguidão capaz de travar as minhas acções momentâneas. 

Se me percorresses a barriga com a carne dos teus lábios ou as minhas mãos com a tua respiração, era capaz de comandar um exército. Ao contrário da rigidez, cobria-os de álcool para olhá-los sem roupa. Despidos de sentimentos ou de preconceitos, a ver-lhes o sexo inchado e repleto de desejo por sexo. Não pelo meu corpo mas pelo meu objeto sexual, conservado até agora dos maus olhados, um desejo animal e carnívoro. A tua língua tende a sacrificar-me a sanidade. O teu peito a atrasar-me a respiração pelos poucos quilómetros que nos separam. Escorrego dos lençóis e entrego-me a uma santidade, desconhecida à minha mente. Fecho os olhos para desapareceres.

Mas os teus dentes trituram a pele da maçã vermelha, saboreiam-na vagamente. Os teus dedos arrastam-se pela base de vidro em que todas as maçãs permanecem. A porta é fechada e a escuridão envolve a cozinha amarelada. Falta oxigénio.

14 novembro, 2014


(da nuvem de lixo, da cultura popular e com capacidade de chegar a milhões de pessoas, esse lixo que perturba o meu coração e mexe com os meus órgãos pela vulgaridade. Uma vulgaridade que tende a comer-me o requinte, nesta sociedade cada vez mais negra)

De tempos a tempos necessito de estar algum tempo sem escrever, sem colocar nada cá para fora. São demasiadas horas, felizmente, a escrever dentro de um escritório. A escrever para dois projetos da consultora para a qual trabalho nestes dias, lugar onde passo a maioria do meu tempo como qualquer português ou portuguesa com sorte em ter um emprego. Vejamos, chamam sortudo a quem sente o local de trabalho como um lugar seguro e assegurado, pelo menos por uns bons anos ou meses. Ser sortudo quando devia ser um direito de cada ser humano que caminha nesta sociedade? E é nestes tempos de pausa em que os meus olhos rodam em círculos, como uma colher a mexer o café. A remexer o açúcar que se mistura com o café negro, quase queimado pelas mãos descuidadas da empregada. Uma empregada que me olha de cima a baixo, a avaliar a minha confiança pela aparência, pela barba que deixei por fazer e na roupa mal combinada. Está um dia chuvoso lá fora, em Coimbra, mais propriamente nos arredores onde os meus pais vivem.

Permaneço deste lado, à espera que uma vaga de transformação liquide os vestígios de infantilidade que podem restar em mim. A colher continua a mexer o café neste dia em que a trovoada demonstra a força de uma natureza incompreensível aos nossos olhos.

14 julho, 2014

Histórias


História da minha vida.

07 junho, 2014

A perfeição dos meus dias



Nunca te esqueces de todas as palavras colocadas nas páginas do meu corpo. Soltas, rasgadas, livres. Tento rechear as minhas páginas com adjetivos para te encantar e ressinto-me sobre este pormenor, como se não fosse normal desejar atingir um nível de perfeição elevado para ti. Perfeição só é alcançada por níveis. Alguns seres humanos não conseguem alcançar nem a metade do nível máximo, pobres desgraçados que desfazem o próprio corpo com as lágrimas que deitam fora. Outros conseguem chegar a essa metade ou até um pouco mais do que isso e enchem os meus olhos castanhos de alegria, com os raios solares a oferecerem vida às minhas mãos. E eu, juntamente com outros seres humanos, tentamos chegar ao fim. Um fim bem encostado à perfeição. Escrevo-te, com um sorriso no meu rosto desfeito pelo vento destes últimos dias, com o cabelo enorme e por cortar. Escrevo-te com palavras de proletário e pobre de espírito, a precisar de mais umas horas de sono e uma ambição de ter a tua alma ao lado da minha carne. Essa sensação que me é capaz de levar à perfeição. 

Perfeição é um lugar, um recanto verde e recheado de pássaros a cantar, uma praia sem ondas violentas e pessoas a caminharem com um livro nas mãos. Perfeição é ter cabelos louros, uma pele suave, um corpo intocado, é dar-te tesão quando não tenho nada mais a oferecer-te, é tocar nos teus lábios e saboreá-los quando tenho sede. A minha geração é a da velocidade, dos que não têm paciência e cedem aos impulsos, como a minha amiga citou um filósofo há uns dias. A minha geração quer encontrar a perfeição num momento em que é impossível, por não conseguirmos juntar um pouco de dinheiro. O cigarro está sempre nas nossas bocas, o álcool nas veias e queremos atingir, mesmo assim, atingir a perfeição. Esse lugar vazio, buraco escuro, furacão, bairro destruído, esse Sol que ambiciono. Repito a palavra, mais uma vez e mais uma vez.

Ao tentar encher as minhas páginas de adjetivos e palavras corretas, consegues levar-me pelo mais perverso e sexual de que sou capaz. A tua língua passa por todo o meu corpo, desejo-a todas as horas sobre mim. As tuas mãos passam pelas minhas e têm a capacidade de parar o lápis que trago comigo. É nesses momentos em que me apetece colocar um cigarro nos lábios e acende-lo.

Sou tão jovem para sentir este amor por ti. Sou tão irresponsável, a meu ver, para estar tão apaixonado por ti. Especialmente por todos os centímetros da tua alma. Mas ela não em escapa, permanece nas minhas mãos em todas as horas. Deixa-me amar-te um pouco mais, todos os dias da minha vida tão curta. Daqui a alguns anos posso estar morto e quero ir satisfeito, se isso acontecer.

07 maio, 2014

Para quem já te perdeu


Houve uma época em que decidimos descansar durante alguns meses. Nessas horas o nosso espaço foi invadido por um silêncio demasiadamente perturbador, com capacidades de me deixar pouco à vontade e adepto da discussão sem mero sentido, a refrescar todos os sofás da nossa amizade. Durante todas as noites fomos assistindo à ausência da luz da lua nos nossos caminhos de ouro, tal as travessias de Oz, e nunca percebemos porque é que as nossas mãos deixaram de se tocar. Nesses meses, ouvia unicamente o eco da tua voz, numa palavra tão distante, tão provocante por permaneceres no fundo do nosso oceano. Os relógios tocavam todos à meia-noite, na passagem para um novo, e nunca ouvia os teus novos pedidos e desejos. 

Desenganem-se todos os seres que idolatram uma amizade sem deveres, sem obrigações humildes. Unicamente a solidão comanda a ausência de obrigações, por um corpo não ter responsabilidades por um outro, diferente do seu, com órgãos recheados de novo sangue e palpitações. A tua voz, minha amiga, encanta-me todos os dias, mesmo a imaginada ao ler uma das tuas mensagens. Os teus sorrisos encantam-me o espírito, nos minutos em que as ondas teimam em revoltar os meus pulmões, recheados de cinzas do cigarro na minha boca. Somos, em dias chuva, a insanidade desgarrada e os olhos recheados de lágrimas brilhantes. Para vocês que não sabem, as lágrimas brilhantes provêm de uma amizade denominada como sincera. Não há curvas nas nossas palavras, unicamente linhas retas para seguirmos sempre em frente. O vento não nos deixa cruzar o olhar com os nossos fantasmas do passado, esses que gostam de voltar às caixas que abrimos num passado tão distante. 

É tarde e tenho agora um cansaço, proveniente de um dia de trabalho, que teima em infiltrar-se nos meus olhos castanhos. Olhos que teimam a continuar a ver para ti, por ti. Somos a luz e nunca mais vamos voltar à época em que fechámos os nossos lábios e nunca mais se sentiu um movimento.

Cartas rápidas de quem perdeu amizades.

14 abril, 2014

Aos bons amigos



Novos ventos fazem esvoaçar as minha entranhas em pleno Cais do Sodré. Os meus refúgios, a força representada pelas minhas velhas amizades, continuam serenos e recheados de erva, tratada por duas mãos. São as nossas mãos, todas juntas e a tocarem-se em plenas ruas de Lisboa, que revelam os nossos maiores segredos e a cumplicidade que acumulámos durante alguns anos. Os sorrisos não foram libertados em vão, deitados no meio da rua. Neste momento, em que a maioria de nós tenta encontrar um porto seguro num país tão destabilizado e ingrato para os mais jovens, sinto-nos com mais força e prontos a colocar a armadura para enfrentar políticas ameaçadoras.

Ainda não nos falta o pão, estamos assegurados por um ano pelo menos no mesmo lugar na maioria dos casos. Tenho um sorriso plantado nos meus lábios por saber que, se for necessário, vamos dar o pão na boca a um dos nossos. Somos um nosso, plantámos a nossa equação de energia ainda nos corredores daquela faculdade em Coimbra. Cidade que tendo a detestar com todos os meus condões, com todas as minhas vontades mas é a nossa cidade. Foi naquelas ruas, tão negras desde a nossa saída, que trocámos conversas, promessas ingénuas, obscenidades, perversidades e mesmo desejos sexuais, com alguma cerveja ou café a acompanhar se fosse preciso. Livros da faculdade caíam-nos pelo buraco negro das malas. Mal lhe tocávamos se for preciso mas estudávamos uns com os outros, numa camaradagem que aparece agora tatuada nos nossos caminhos.

Novos ventos esvoaçam os meus poucos cabelos castanhos e dão vida às minhas veias. O que seria de mim se estivesse e encontrar a felicidade numa ilha isolada, sem vocês, questiono-me. Existe sempre um hoje para nós, vai estar plantado no futuro próximo já que não conseguimos calendarizar os nossos desejos. Os futuros distantes não existem, as ideias concretas e seguros estão fora do circuito para nós. Mas nós estamos cá, prontos a limpar lágrimas. Sejam de tristeza profunda ou de felicidade pura.

A todos os meus bons amigos. Os que foram e os que continuam ao pé da minha alma.

26 março, 2014

O padrão geométrico de todos os corações


Os teus braços, as minhas mãos, os meus lábios quase carnudos e os teus cabelos castanhos, desgrenhados logo pela manhã, os nossos olhos inchados ao despertar numa mistura incontrolável de cheiros. Nos lençóis da minha cama, com os gatos das vizinhas a miarem e a lutarem à minha janela. São esses alguns dos sons e movimentos que cheiramos pela manhã - nesta confusão de cheiros e sons que sinto de madrugada, ainda o Sol acena por todas as nuvens cinzentas no céu presente no infinito da minha cabeça. Os meus braços a agarrarem os teus ou a minha língua a saborear o teu peito trazem um turbilhão às minhas semanas, é daqueles tornados recheados de carne e sangue num zigue zague tremendo. 

Que costurem aqueles que clamam que as relações não devem ser um padrão geométrico, segmentos alternados. São tantos os seres humanos a falecerem no meio da rua, a esvoaçarem das aves que sentem um prazer, inocente a meu ver, de apararem. Segurar, com os ossos das asas, um corpo quase morto forma uma monotonia. O chá ferve todos os dias por volta das cinco, se saíram cedo do trabalho. O alarme de alguns carros despertam na madrugada, por serem sempre as mesmas mãos a tentarem arrombar. E sabe bem acender as luzes às quatro da manhã para afastar fantasmas ou os corpos que elaboram sempre as mesmas artimanhas. 

Os meus lábios encontram os teus, logo pela manhã, e perpetuam o lugar de paraíso que és. Os meus dentes tocaram na tua carne, numa tendência de canibalismo que nasce em mim todos os dias. A cada dia apaixono-me cada vez mais por ti.

10 março, 2014

Cada olhar ainda é o primeiro



Os dias são cheios de ti, da tua carne, dos teus olhos castanhos e das tuas palavras.
Nunca me viste dançar no meu quarto, na hora em que estou a ouvir os meus discos predilectos, mas um dia vou deixar-te, por ser tão relaxante. Liberto fantasmas e tensões em menos de cinco minutos, depois de um café com algumas das minhas almas gémeas. Ao contrário do que possam dizer, as almas gémeas também se encontram nos amigos. Nos seres que nasceram para abraçarmos, para tocarmos com as nossas mãos e para acolherem as nossas lágrimas. Sei que elas acolhem as minhas frustrações nos grandes baús, colocados na veio mais desprezível do coração.
Continuas a seduzir-me, tantos meses depois. Cada olhar ainda é o primeiro.

06 março, 2014

Ao mergulhares nas minhas águas



Nunca mergulhaste em mim, nas profundezas das minhas águas e nos meus encantos de espuma, superficiais como toda a espuma do mar. O Sol renasceu no horizonte e derrotou todo o frio inquietante, temperaturas de um inverno vestido com um fato de ouro, a iludir todos os crentes e sôfregos por um raio solar. Sentiam-no a brilhar lá ao fundo, em territórios longínquos, no instante em que gelava todos os ossos do corpo. Encanto-me com os teus lábios, perdidos na rouquidão do teu chamamento em dias de nevoeiro, apaixona-me a tua delicadeza em dias de tempestade. Falta-me um casaco até aos pés nesses dias, em que molhas os pés e não consegues entrar nas ondas violentas, recheadas de forças, nascidas no meu interior hercúleo. Injetas-me adrenalina em todos os momentos de discussão e de paixão. Ao passares a língua pelo meu peito, ao saboreares a minha pele e ao gritares para mim, à espera que corrija um defeito humano. Como se os defeitos não fosse humanos, num universo paralelo. Constróis uma relação ao meu lado, a mergulhares em águas desconhecidas. Passa-me a mão no rosto, prepara-me a pele moreno e os cabelos castanhos, o sal é destruidor e corrói-me a graciosidade. 

Ao entrares nas minhas águas salgadas vais desejar mergulhar de olhos abertos. Bem abertos para assimilares todos os meus recantos, os meus segredos e as mentiras escondidas no fundo de um baú, presas ao passado, arrumadas até à minha morte. Arregala os olhos para me veres, para sentires a minha respiração, o dióxido de carbono libertado, imaterial, gasoso aos olhos humanos. Os meus olhos ternos alimentam os teus peixes, as tuas águas e qualquer outro ser vivo. Cigarros, cigarros são agarrados pelas tuas mãos e colocados nos teus dedos para assimilares todo o fumo. Não te deixes poluir, o teu reino e a tua vivacidade sagaz. Entra em mim, flutua, deixa os teus caracóis dissolverem-se pelos anos ao meu lado, com a minha alma a acompanhar-te todos os dias. Dias recheados de sol, dias inundados pelas águas da chuva. Chuva cada vez mais poluída pelos carros que circulam nesta cidade horrenda e violentamente bela. Foge para a praia, quero correr atrás de ti. Abraça-me, mergulha comigo. Os dias somos nós, cada partícula do nosso corpo, cada comportamento. Os dias morrem em nós e nós morremos com eles. 

17 fevereiro, 2014

Exílio


Leva-me ao teu exílio, às entranhas da tua caixa torácica. Num mundo escurecido por todas as construções que são elaboradas, todos os dias pela maioria dos seres humanos que se sentam nos carros e conduzem, a minha única salvação é o interior do teu corpo. Viajo a partir dos teus lábios, dos teus beijos, esses a percorrerem o meu pescoço e todo o meu corpo. Não deixo as minhas mãos escaparem dos teus lábios carnudos, os meus dedos envelhecidos pelo meu vício de roer as unhas e todas as peles. O Inverno clama pelo meu sangue, a cair dos meus dedos nos momentos em que apanho os autocarros, ao virar uma página do livro aterrador. Diz o meu nome quando passares a tua língua pelo meu queixo, antes de encontrares a minha. Não tenhas medo de levar-me ao teu exílio, ao lugar onde te refugias livremente de todas as loucuras desenhadas pelos desconhecidos. Construímos a nossa realidade com as nossas vivências e alguns desconhecidos têm o condão de nos alterar os planos, quando decidem cair ao pé das linhas do metro, dos comboios. 

No segundo dia, vimos a luz do nosso dia. Ao tocar nos teus ossos, sem o calor da luz no dia na tua caixa torácica, senti a vibração da tua voz. Permaneço nas tuas cordas vocais para te suavizar a voz, prejudicada pelo fumo dos cigarros. Tira toda a nicotina das unhas antes de me levares só para ti, continuo a fazer pedidos mesmo quando ninguém me pede a mim nem a ti. No terceiro dia, vimos o céu. Juntos.

05 janeiro, 2014

A salvação no diário dos desesperados e toda a minha loucura a pregar-me partidas


Salvação, leva-me para os teus braços. 

Existe sempre uma salvação ao virar da esquina para a maioria das pessoas, em épocas de horrores e crises existenciais. A salvação que me vai purificar e transportar-me para o reino dos céus é pura, de uma cor branca, com brilhos e um calor, daqueles ternos que se sentem no nascimento do sol. O sol começa na minha janela e termina novamente na minha janela. Mantém uma distância de segurança, por existir sempre o perigo de ataque da minha parte. Talvez tenha de receio da revolta humana durante a hora da verdade, em que todos vão descobrir a não existência da salvação ao virar da esquina. Nesse momento, num futuro demasiadamente próximo, vão explodir vidros para cortar os mais fracos de carne e proteger os mais fortes de espíritos, numa seleção natural da espiritualidade (ou será, como dizem alguns, da natureza?). Salva-me, preciso desesperadamente de ti para não andar nos ciclos viciosos da minha cabeça. São as tuas palavras que me trazem ao plano físico, no meio de todas as sobrenaturalidades dos meus sonhos. A realidade atinge-me quando estou deitado na tua cama e o toque me apaixona um pouco mais. Dissolve sorrisos por cima do meu corpo e da minha alma, é a experiência que quero colocar em prática.

No momento em que bebo um sumo de laranja, a partir da palhinha preta, sentado à minha janela pressinto a salvação em todas as janelas à minha volta como se a salvação fosse o desejo e cobiça alheia. Desejo pelo meu corpo e cobiça pela minha beleza e boa forma física, essa que só existe nos meus sonhos. Numa realidade em que não existe músculos no meu corpo, sento-me à varanda a tocar nas palavras dos meus livros e a desfrutar dos raios de Sol. À espera da minha salvação, ainda materializada nos meus livros e personificada nos meus desejos ambiciosos. Tudo não passa de uma loucura e a única sanidade são os teus lábios neste ciclo vicioso, em que regresso sempre aos teus braços e os meus cabelos continuam revoltados com a brisa marinha.

Salvação, leva-me para os teus braços. Ainda continuo à procura de Deus, em conversas antes de dormir mas não obtenho respostas às minhas ansiedades.