Esperava
pela elevação da sua voz, à medida que o sangue escorria pelas minhas costas.
Um sangue quente, acabado de retirar do corpo morto, deixado na rua mais
civilizada de toda a cidade. A minha máscara preta escondia uma parte do rosto,
os olhos de tons azulados. A essência da alma deturpada por pecados carnais,
acumulados ao longo dos anos.
Nos meus
sonhos, encontro uma felicidade em estado puro para ser despejada sobre os meus
cabelos. Na fantasia desenhada pela minha mente, esses mesmos cabelos adquirem
uma cor ruiva ou, na pior das hipóteses, um vermelho berrante que tem o dom de
chamar a atenção a qualquer um que passa nas ruas estreitas. A fome de atenção
acaba por ser aliviada em poucos segundos, os olhares desaprovadores, os
sorrisos diabólicos com segundas intenções e os dedos indicadores a apontar na
minha direcção saciam toda a ausência de amor que vou acumulando ao longo das
minhas existências. Nos meus sonhos, consigo dar uso ao meu poder interior,
espalhar um pouco de brilhantes pela rua (num drama digno de um filme rasco da
série B, se conseguir ter alguma classificação) enquanto ajeito os cabelos
vermelhos, não deixo que a falta de qualidade seja um dos factores presentes
nestas elevações do corpo. O pathos provocado
pelo sonho é muito mais eficaz do que aquele que Eisenstein pretendia com o seu
cinema, ao construir técnicas de montagens com emoções à mistura de dois lados.
As montagens elaboradas durante o sono ou quando se caminha na rua em pleno dia
conseguem elevar o espírito muito mais além, o ser humano experimenta deixar os
músculos, ossos, boca para assistir a uma acção mais promissora, pormenorizada.
Fechei os olhos e senti a carne macia dos
teus lábios, com o desejo de a rasgar e triturar com a minha própria boca.
Existiria algum pedaço da tua alma no pedaço destruído? Misturado com as
pequenas gotas de sangue? Deixo e continuo a beijar-te, transmitindo arrepios a
todas as partes do corpo, chorando de melancolia numa mistura com o êxtase. Duas
sensações supostamente incompatíveis que alimentam o meu futuro suicídio. A
máscara continuou no meu rosto, nesse momento trágico.
Não tenho sentido de estilo, mas tenho bom
gosto. O fatal estilo que se encontra em decadência nos dias que correm graças
à falta de pensamento em todos os pequenos seres, nascidos nos finais da
geração de noventa e restante. Uma falta de estética, unhas roídas que arranham
tábuas destruídas, corrompidas por filosofias com carácter duvidoso. Tábuas que
se alimentam de tons fabricados para as massas, com um composições simples e
sem grandes complexidades, que comem livros sem histórias dignas salvação. Nos
meus sonhos, existe uma pureza inexplicável em todas pessoas. Uma cor saliente
na pele, um toque suave em todas as mãos, uma delicadeza ao caminhar. Todas as
vozes elevam-se aos céus, como se esse lugar fosse o destino final de todas as
almas. Quando se escuta um canto morre-se durante alguns minutos, não são
necessárias facas para cortar corações. Assassinos não são chamados, cabeças
não são deixadas em cima de uma pista de dança. Nos meus sonhos encontro a
felicidade que ando à procura na realidade, a emotividade ausente em qualquer
coração, a racionalidade em poucas quantidades ao contrário do que se verifica.
Desenho um sorriso no rosto quando chove torrencialmente. Deixo os sonhos
falarem mais alto, em quase todos os momentos.
Os meus próprios desejos interrompiam a
minha circulação, não sabia em que tempo verbal falar. Os meus dedos agarraram
o teu pescoço e a minha máscara caiu no chão sujo. Ambiciono retirar-te a vida,
sugar os sentimentos que dançam no teu corpo. Mas a minha falta de coragem é
superior, viajo demasiadas vezes e não sou capaz de atirar-me contra o comboio
que ressoa a sua presença com a buzina.
Os meus desejos são dinamites, todos os dias sinto-os como se fossem
pequenos doces.
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