Gostaria de começar a contar a minha história
a partir do típico, vulgar e incentivo aos finais felizes “era uma vez” para que o frio gélido não chegar aos meus pés como
neste momento ameaça passar pelas frestas das janelas envelhecidas, nesta casa
em Lisboa. Gostava de tentar escrever lentamente estas três palavras mágicas
para saírem do dicionário, arrumado no fundo da minha mochila, esta peça
fundamental para compreender qualquer língua – mesmo a amar profundamente a
minha língua portuguesa e ser tremendamente suspeito nas minhas escolhas. Gosto
de contar as minhas histórias a partir daqui. “Era uma vez um rapaz com o cabelo desgrenhado no meio das ruas”, “Era uma vez uma rapariga com os pulmões
secos pelo fumo do tabaco”. Consigo imaginar estas palavras na minha cabeça
no momento em que os meus limites de imaginação estendem-se mais um pouco. Tornar
uma rosa vermelha num tom arroxeado ou esverdeado, sem qualquer alteração – com
a intenção de a tornar normal, sem qualquer traço distinto – ou mesmo colocar a
boca na posição dos olhos castanhos num ser humano. “Era uma vez um rapaz que ultrapassou os limites da normalidade”,
penso e escrevo em uma das palmas da minha mão.
Se tivesse sangue azul talvez ponderasse em
deixar de escrever, talvez acabasse com esta forma de expressão capaz de
bombear furiosamente o meu coração. Se o sangue azul percorresse as minhas
veias, era bem capaz de deixar de fazer suposições e colocar em prática.
Abandonar a típica questão do “se fizesse
exercício físico talvez fosse uma pessoa mais saudável” ou “talvez se estudasse um pouco mais iria tirar
uma nota melhor”, pequenas suposições tendentes a nascer como raízes venenosas
no meio do meu chão. Agora, perto das onze e meia, coloco as suposições no
lixo. Com as minhas mãos geladas, escrevo-te a Ti. Talvez por ter tantas
dúvidas na tua existência, por acreditar que és uma invenção do Homem para ter
fé nos momentos mais fatais. Por desejar em sentir a tua presença, o teu amor
nos momentos em que as brisas geladas fazem força para entrar pelas persianas
verdes da minha casa. Esta casa de madeira, capaz de me receber novamente
depois de tanta rejeição pessoal, ao fim de tanta procura de um novo espaço nos
dias mais quentes de Verão e ao lado de uma amiga, em forma de espírito por a
sua ausência. Escrevo-te a Ti por cheirar o meu sangue azul de uma outra vida,
se isso for possível.
Contarei
a minha história com as três palavras mágicas a partir do momento em os meus
olhos castanhos olharem-te serenamente, confiante da tua presença. E coloco-te
no mesma dimensão de todos os outros seres humanos pela tua quantidade de
defeitos, por me encheres destas suposições e questões materialistas. “Se pensasse um pouco mais ti se calhar ia
atingir mais facilmente a paz de espírito”, paz de espírito essa que é
atingida graças a um outro ser humano que me dá a mão, que me beija os lábios
apaixonadamente e me leva a fazer sexo por um ato de amor. Sexo nos dias mais
frios, com a temperatura a alojar-se nas paredes do meu quarto, recheadas de
postais alusivos a Lisboa e ao meu novo caminho. Deves sentir-me nesses
momentos, especialmente quando chego ao meu ponto máximo e grito ou sinto uma
mão a tapar a minha boca. Nesses momentos de êxtase humano e sem qualquer tipo
de mecânica – a não ser a dos corpos.
“Era uma vez o rapaz que viu Deus”, que viu João, que viu Leonardo. Imagino-te com nomes como nós. Afinal Jesus era
o teu filho e vejo tantas pessoas com o teu nome. “Era uma vez um rapaz a viver feliz”. Descrevo-me, escrevo-te e
sonho um dia encontrar-Te. Gosto de começar as minhas histórias por aquele
início a que chamei vulgar.
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