Separam-nos
centenas e centenas de quilómetros, daqueles
que podem ser atravessados a barco, e
continuamos a incendiar o peito, o meu e o teu. Não ouço fado ao pé de ti,
por teres um ouvido mais apurado para a língua inglesa e não apreciares o canto
dos portugueses, mas gostava de te mostrar as maravilhas da nossa língua para
conseguires chegar um ponto mais ao meu coração – esse, fechado numa arca na
tua casa de Lisboa. Se ouvisses o fado, as composições, as guitarras a ecoarem
em Martim Moniz, conseguirias colocar as unhas sem nenhuma imperfeição nos
músculos do meu coração. Digo-te para não tirares essa música, quando me
preparava para o concerto da Carminho no Coliseu dos Recreios, e ouves um pouco
a voz dos meus tormentos – esses, nascidos pelos meus familiares que teimam em
continuar a levantar as saias da minha mãe ou os livros secretos dos meus pais.
Um tormento que não vai nascer de ti, colocas as sementes da nossa união no
chão de madeira da minha casa com esperança de ver as flores a nascer mal
acorde, ao abrir a janela da sala. Separam-nos centenas e centenas de
quilómetros, como escrevi anteriormente, e continuo a sentir a tua presença nas
palmas da minha mão, à espera de ter uma caneta e algumas resmas de papel para
escrever em homenagem ao teu corpo, aos teus olhos castanhos e ao teu cabelo
comprido e brilhante.
Deixo a água, proveniente do chuveiro cá de
casa, correr pela banheira e não consigo relaxar um pouco por saber que não vou
tocar nos recantos do teu corpo, as minhas mãos continuam a ver-se nesta
solidão, ao purificar o meu corpo na água límpida e quente cá em casa. Posso voar para te encontrar e anseio por todas as manhãs, dignas de serem
esculpidas pelas marcas que deixei nas tuas costas com os meus dentes. Os meus
dentes brancos afundaram-se na tua pele branca e a minha língua saboreou um
pouco dos teus sentimentos, colocados nas células, libertados com o vapor na
divisão apertada da casa. Ao passar os meus lábios pelas tuas costas, tinha
prazer ao discutir contigo os discos da Rihanna
ou da Lady Gaga, essas divas do mainstream, acessível a todos, e gostava
de te fazer ver o que pode ser considerado talento e entretenimento, a
principal diferença a afligir-me. As duas entreterem, a distrair a população
das grandes conversas sobre a crise, das eleições, dos grandes filmes do ano ou
das obras de arte e uma delas a compor e a cantar verdadeiramente do coração.
Dizia-te isso e não concordas no que tem mais valor, aprecias fugazmente quem
te consegue distrair dos estudos, o que costumo de chamar obras de arte
superficiais. Enquanto isso, as minhas mãos continuavam a desenhar arestas,
pontas por todo o teu corpo esculpido. Quero voar a ti neste momento, todos os
meus desejos recaem nesse ponto. Arroios continua no mesmo lugar e é quase como
o nosso ponto de encontro, a nossa casa. Tenho saudades da grande cidade, dos
carros, dos meus casacos compridos, de andar com a mochila as costas e das
leituras até horas tardias na biblioteca. Queria alimentar-me do teu ar para
não gastar dinheiro – o desejo de todos os apaixonados e pobres de finanças.
Quero percorrer o rio Mondego contigo, tenho
de trazer-te cá acima. Voa para mim, deixa-os por umas horas e anda cá.
Continuamos a conversa sobre os livros que ando a ler. A minha fixação pela
obra da Inês Pedrosa delicia-me, nunca conheci tão boa escritora de romances em
Portugal. Têm todos a mania de colocar a Margarida Rebelo Pinto num pedestal e
não consigo levá-la a sério, como escritora ou sequer como artista, como já te
tinha dito. Voltarias a dizer que entretém as pessoas, apesar de nunca teres
pegado num livro dela – felizes são aqueles que vivem na ignorância, penso
acerca disso quando me dizes isso. Vamos para a margem do rio, percorremos a
pé, corremos para exercitar o corpo e beijamo-nos no final. Não sei quem quero
enganar, ao imaginar-nos nas vezes em que tomámos banho não conseguia deixar de
pensar nas alturas em que fizemos amor. Esse amor cheio de loucuras, posições
mais atrevidas para os conservadores. Os meus lábios a passarem pelos teus
quando sentia o teu peito debaixo do meu, a respirar a minha existência.
Separam-nos centenas de quilómetros neste momento e só queria tocar nos teus
olhos castanhos. Não é preciso dizer “Fica. Fica cá a dormir em casa”, sabes os
meus desejos mais profundos.
Escrevo-te todos os dias. Quando estou a
construir um conto, um simples trabalho da faculdade, ao folhear um novo livro.
Sentes o cheiro à tinta da caneta mesmo com todos os quilómetros a separarem-me
de ti. Se todas as paixões não usassem o conteúdo geográfico para quebrar
laços, existiria muito mais amor nos dias cinzentos, recheados de chuva.
Escrevo-te amanhã, sei que vais estar à minha espera.
2 comentários:
Gosto tanto dos teus textos :)
Muito obrigado, Mel!
Um beijinho!
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