Querida
Catarina,
É bom começar qualquer carta
desta forma, não é? Tinha mil e quinhentos nomes para te chamar, desde Amélia,
Janete, fofinha, qualquer coisa do género que plantasse repugnância e quilos de
mel para ver o sorriso no teu rosto. Tantos clichés que li em livros acabam por
se refletir na vida real, por vezes coloco-me a pensar se os milhares de
pessoas que vivem em Portugal não passam todas de clichés. Neste momento
encontramo-nos numa situação precária, em que todos precisam de um emprego
decente, com casas cada vez mais recheadas em que pais e filhos começam a não
suportarem-se mais, uma taxa de suicídio a aumentar para satisfazer que nem uma
cereja em cima do bolo. Ainda ontem vi ao teu lado uma taxa de jovens que ainda
vivem com os pais e, à medida que conversavas comigo, só me lembrava do quão
deturpado estava aquela taxa por se terem esquecido dos que vivem longe dos
pais e são sustentados por eles. Grande maioria dos meus amigos encontra-se
nesta situação, detesto dar nomes às pessoas nas descrições mais precárias e
aflitivas como bem sabes, mais de metade dos teus amigos também se encontra
assim apesar das exceções. São as exceções que me fazem conter um pouco mais de
esperança, sabias? Trazem alguma luz ao meu coração quando todas as veias e músculos
tendem a apodrecer graças a medidas de austeridade a assombrarem cada vez mais
as paredes da minha casa, as paredes das minhas tias, dos meus vizinhos, dos
meus conhecidos. As histórias de fantasmas, de pessoas endividadas começam a
pesar na minha escrita, começo a pensar se não devia escrever um livro com
várias personagens a desejarem pagar as dívidas, com um pouco de máfia por
detrás a exigir-lhes o dinheiro e a colocarem-lhes um fim da linha, da vida.
Talvez conseguisse fazer dessa ficção um autêntico best-seller pela
familiaridade de tantas pessoas nessa situação.
E agora pergunto-te para onde
vamos nós? O que vai ser de nós quando acabarmos os nossos mestrados? Ainda me
resta mais de ano e meia mas e a ti? Falta uma tese. Faltam meses e nem vale a
pena pensar na passagem dos minutos, a minha mãe ainda me vai dizendo para
vivermos um minuto com energia, com todo o sangue que nos corre no peito e em
todo o corpo – porque tal como disseste não passamos de garrafões de cinco
litros de sangue, lembraste de quando disseste isso na cozinha da nossa casa?
Parece que estou a ouvir os nossos risos ao lado do Jorge, o mexicano e amigo
que gostava de ter todos os dias quando chegasse a casa. No fundo, somos uma
família lá em casa. Neste momento com três pessoas, um dos nossos teve de
partir e infelizmente permanecem aves selvagens no nosso ninho. Para onde vamos
nós, pergunto-me novamente. Vamos para casa por enquanto, sentamo-nos no sofá,
na nossa sala com uma parede roxa e uma caricatura horrenda para depois irmos
jantar e quem sabe ver um filme. Mas os melhores momentos são as conversas,
sobre sexo, sobre a vida, desabafos de emoções alimentadas ao longo dos nossos
anos de existência. Até já escrevemos uma lista do que queremos fazer neste
ano, eu, tu e o Jorge: ir ao cinema ver o Les Miserábles de preferência, ir ao
restaurante sushi em Alvalade, fazer outras coisas que nem me lembro.
Temos felicidade, família e
sorriso nas veias. Nem todos podem dizer o mesmo, amiga.
2 comentários:
Cá eu, ando a tirar um curso de Comunicação Social e ando sempre nessa mesma angústia. Não consigo imaginar o meu futuro, nem imaginar um sitio 'minimamente' decente para poder trabalhar e construir a minha vida do 0... É triste dizer isto, mas provavelmente o destino é emigrar.
O que não falta por aí são Catarinas.
Sinceramente já ando num mestrado e não sei mesmo o que me espera, já tirei Comunicação Social e não sei como é que vai ser.
Vou distrair-me por agora também por um curso de Escrita Criativa. Mas cada Catarina tem o seu toque especial, felizmente.
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