Nunca olho para o meu corpo. Os meus olhos
castanhos olham “em diagonal” para os meus braços finos, para as unhas e dedos
mais do que roídos, para as minhas calças skinny
(em que cabe, por vezes, outras pernas da grossura das minhas) e para os
meus pés demasiadamente pequenos para o género masculino – uma outra travessura
colocada na minha cabeça e na de todos os portugueses, os valores e princípios colocados
para o sexo masculino e feminino: exige-se a um corpo determinada forma e
contorno para estar nos padrões da beleza. São esses padrões, valores, princípios
que constroem uma visão. Complicam a tarefa que dou aos meus olhos castanhos em
esvaziarem-se de qualquer preconceito e receio. É tão complicado livrarmo-nos
desses estereótipos, fortes quando a diferença ganha poder no meu quotidiano,
com regras de conduta podres e cinzentas para o meu estado de espírito. Tal
como existem padrões para os outros, já que
o outro está sempre presente para quem odeia ver-se como um individual,
existe um formado e alimentado na minha mente. Desenho tantos universos
alternativos e não consigo livrar-me das regras básicas deste mundo, ou uma
mulher tem de obrigatoriamente casar-se com um senhor para ter filhos ou uma
menina não se apaixona naturalmente por outra menina. Talvez seja um pecado
olhar para as histórias dessa forma, os efeitos do que me foi incutido desde
pequeno acaba sempre por ter um efeito secundário por mais mínimo que seja.
A minha mãe olha para mim e diz que não
perdia nada se tivesse mais uns quilos, se as minhas costas fossem mais largas,
se tivesse mais cintura, se os meus pés não fossem tão magros quando calço um
sapato e acaba por ficar-me extremamente largo. Mas, minha querida mãe e todas
as outras mães no universo, porque é que olhas para mim e não afirmas em primeiro
lugar as minhas qualidades? Consigo chegar onde não consegues, quando tentas
colocar-te numa escada para agarres algum objeto lá em casa, o meu cabelo é
forte e não anda sempre pelo chão tal como o teu. Existe uma proteção por
detrás de todas as declarações dos defeitos que vais libertando dos teus
lábios, não seria um regozijo para ti se um ser humano não apontasse qualquer
defeito no meu corpo? Os humanos constroem a sua humanidade, fogem da divindade
ao apontar defeitos em qualquer espécime idêntico. Funciona desta forma e nem
nos próximos cinquenta anos vai mudar, quando meu corpo estiver fraco,
envelhecido e os meus cabelos cinzentos começarem a cair. Não aprecio olhar
para o meu corpo quando o tenho de fazer e celebrar. A masturbação é um pecado,
bem sabemos, mas para quê atingir o prazer individual se nem se quer olhamos
para os nossos corpos em condições? Há uns tempos, uma rapariga disse-me que nunca
tinha atingido o prazer sozinha. Mas então, minha querida, como é que o vais
conduzir até aos recantos do teu corpo, recheado de surpresas inimagináveis?
Talvez ainda te vá ouvir na minha casa a abrir a boca para soltares gemidos profundos,
quando há incentivos não há problema em liberta o desejo carnal. Não troco
beijos com desconhecidos por motivo nenhum, é um teste. Até que ponto vai o
desejo presente no coração, nas hormonas, nos pulmões e na língua, imagino na
minha cabeça. Andam todos tão recheados de desejo que escondem os livros
eróticos em capas, com esse propósito, para não serem recriminados.
Sexo, sexo, sexo. Deus deu-nos isso. Qual é a
divindade que oferece instrumentos só com o objetivo de recriminar e colocar
nas portas do Inferno? Tenho paz em todas as igrejas a que vou, não são assim
tantas ao longo de um ano, conforto quando me sento num dos bancos e um pouco
de frio por não deixarem entrar os raios de Sol. Nesses momentos também não
olho para o meu peito, coloco a mão e sinto um poder extremo a querer fugir.
Talvez seja isso que falta um pouco a todos, sentir o poder dentro do nosso
corpo. A mim nunca me faltou coragem para tal ato, só não gosto dos olhares
alheios e críticos à minha volta. Posso não olhar para o meu corpo mas dou-lhe
tanto amor.
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