Pediste-me
para escrever-te o que ia na minha alma e para te enviar, apenas a ti por não
quereres partilhar as minhas visões sobre ti com mais ninguém, os meus desenhos
sobre os contornos da tua alma podem só permanecer connosco como em qualquer
relação. É esse o meu pensamento, desejo só entregar-me a ti como nunca desejei
com mais ninguém. É curioso escrever-te a ti, com a vontade de sublinhar por
debaixo das palavras “a ti”, riscar e fazer traços para manter as palavras – é
isso que as crianças fazem nas folhas brancas, desenham, despejam uma pequena
quantidade do subconsciente e colocam a inocência no papel, essa caraterística
esgotável com o passar do tempo. Ao colocar palavras num papel destinadas aos
teus olhos, às tuas leituras, equivale a entregar-me como costumava fazer em
oração, de todas as vezes em que entrava numa igreja. Não te questiones sobre
este assunto, nunca trago à superfície da minha pele o assunto sobre a religião
para não amargar a minha saliva, de forma a não ter veneno a correr por
escassos minutos nas minhas veias. Pediste-me
para escrever e faço-o agora como se fosses o meu livro em branco.
Tenho
a fantasia de me beijares a ponta dos dedos, de colocares a língua na minha pele
e manteres para sentir as pontas da minha alma. Tenho esta mania de pensar nas
almas como um material quente, as fogueiras que faço na minha casa em Coimbra,
a temperatura extremamente alta no meu quarto graças ao aquecedor elétrico ou a
água a ferver que cai do meu chuveiro. Ofereces essa elevação aos meus
comportamentos, nas alturas em que olho para o relógio e não consigo realizar
mais nada – tenho demasiados projetos inacabados e tenho receio de este que te
escrevo fazer parte da longa lista deixada em cima da mesa. Esses projetos
materializam-se em objetos reais, colocados em cima da minha secretária ou no
fundo do meu computador, aqueles documentos deixados em aberto nas pastas digitais.
Não existem daqueles alertas auto
programados, capazes de nos esbofetear para regressarmos às nossas palavra, às
ideias, às imagens construídas por palavras em frente ao computador – não
ultrapassam as palavras por não saber mexer nos programas informáticos ou em
algo relacionado com a construção de websites,
não sou um bicho da informática.
Bebemos a
essência das pessoas, as
entranhas de quem amamos profundamente. Banalizamos um gesto realizado sem uma
intenção de troca. Ofereço-te as minhas palavras sem querer ouvir os gritos das
transparências da tua alma, viajante através dos tempos e a planear trocas de
corpos. Gostava de te mostrar a força com que acredito na teoria das viagens
das almas e na fraqueza que a fé católica no meu peito, no fascínio que sinto
ao pensar numa viagem da minha alma, essa que ultrapassa as minhas simples
vivências e experiências terrenas, por todos os lugares imagináveis. É dessa
matéria que se constroem os sonhos. Ultimamente sonho com tão pouco, a minha
alma só materializa forças para viajar em paragens do meu coração, como
aconteceu no início deste ano que está a terminar. Não me lembro dos meus
sonhos recheados de brilho e luzes brancas e esse é um dos meus problemas,
queria olhar para os pirilampos que invadem as imagens fabricadas pelo meu
coração e pelo meu corpo. Esses bichos luminosos apareceram no meu inconsciente
por ter a tua presença fixada nos meus ossos brancos e protegidos dentro dos
meus ossos húmido. Tenho agora em mim a imagem de um sacerdote, preso em amor a
um Deus maior e magnífico, a beber o sangue dentro de um cálice. De
sacrifícios, de paixão ao ser humano mais desfeito. Vejo-me a beber o teu
sangue, num ato de intimidade. Oferece-mo, bebemos todos os dias a essência dos
outros. A minha seriedade, as expressões que saem da minha boca, os meus
conselhos vestem a tua imagem, os teus comportamentos. As minhas mãos
pressentem os teus cantos, a força da tua voz ao sorrir e gargalhar no
horizonte.
Pedes-me para escrever e a estas horas
pressinto que termino o que tenho para te dizer. Há um Sol demasiado preguiçoso
a dar-me ordens, para me recolher no meio do meu casulo construído por
conhecimentos. Na era da informação, houve alguma pessoa a pensar na espécie de
solidão provocada pelo conhecimento em demasia? Isso passa-me pelas veias, esse
conhecimento da natureza humana, da sociologia da informação e penduro os
conhecimentos como espanta-espíritos na minha casa. Ouço o barulho dentro do
meu coração, esse isolamento no quarto de Coimbra. Sou suficientemente lúcido
para saber que os meus amigos estão demasiadamente espalhados por todo o país –
é esse o grande defeito da geografia. Tenho todo este calor por ti, por isso
bebe-me, aconchega-te a mim e aos meus braços magros. É nestas alturas que
gostava de ter um pouco mais de gordura para vestir-te e proteger-te de todo o
frio que possa alcançar-te. Não quero ameaças, mesmo as provenientes da
Natureza.
1 comentário:
"Bebemos a essência das pessoas, as entranhas de quem amamos profundamente." Gostei muito.
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