31 dezembro, 2008

defendemos o despudor do corpo, a afirmação da merda, do fedor da transpiração e da viscosidade dos flúidos, defendemos o que ninguém ousa desenvergonhar.
quereis prender-vos ao realismo do século e calar a arte pela arte? pois muito bem, libertai os vossos corpos! falai abertamente do descarregar diário dos intestinos na retrete! suportai sem escândalo ou risota os sons emitidos pela fonte sonora implantada em cada um de vós! não rapeis os pêlos que vos crescem nas pernas, nos sovacos, no sexo e no rosto só porque alguém disse que assim é que tem de ser!
gritai de prazer, de ódio e de inveja.
sêde vós mesmos sem o pânico do realismo disfarçadamente irrealista do ser.

21 dezembro, 2008

o tempo é uma ilusão e nós os ilusionistas, por isso vamos iludir-nos da nossa eternidade. afinal, temos todo o tempo do mundo.
deixa-me amaldiçoar para sempre o amante que tornou o teu corpo impuro. eu quero esculpir o pedaço perfeito de ti que essa reles criatura roubou!
quero violar mil telas e nelas imortalizar os teus seios e o teu ventre. desejo compor a melodia da tua voz e a coreografia das tuas mãos. quero mil negativos dos teus olhos e o odor do teu cabelo feito perfume.
não nos matemos já, temos tanto a dever à arte meu amor.

15 dezembro, 2008

a cobra, a cobra enrola-se às gentes e mata-as de vez. vós, vós asfixiais e gozais e matais aos poucos.
o tubarão cheira o sangue e persegue-o, faminto. vós, faminta igualmente, humilhais as gentes que não têm a fervura do vosso sangue.
vós sois a pura tentativa de ser, falhada.

13 dezembro, 2008

cala-te, porque só calado é que tu não me puxas o vómito.
cala-te, porque é essa a condição que te imponho para de mim gozares o que te apetecer.
cala-te, cala-te, cala-te! não ouses voltar a repetir esses vocábulos de afrodite que me atormentam todas noites que contigo me deito!
não chores porque eu não suporto o ruído das tuas lágrimas nem o murmúrio dos teus credos. não me contes nada de ti, não me faças ter pena nem orgulho do monstro ou da personificação de amor que alimento.
não me jures, não me cantes e não declames. não sejas tu.

07 dezembro, 2008

devias saber como eu odeio estes assaltos a coração desarmado. tu eras só mais um corpo, um rosto e um tão-pobre-de-amor a quem eu saciei o prazer e matei a sede de beijos, numa ânsia infinita de compensar o que outrora alguém se esqueceu de te dar. dei por mim a escrever o teu nome em mil versos, a desejar que o futuro não existisse permitindo que este presente não fosse tão efémero como esta paixão que a ti me prende.
não fosses tu um bicho de carne e osso e eu, eu jurar-te-ia a monogamia.

04 dezembro, 2008

o teu vestido amarelo tem um buraco mesmo no lugar do teu umbigo. gosto quando o trazes porque também gosto de espreitar muito descaradamente para dentro dele.
às vezes, olho mais atentamente e consigo ver-te por dentro. chego a espreitar o teu estômago e todos os ácidos que nele operam.
um dia destes chego ao teu coração e decoro cada válvula que bombeia o teu sangue.
sou tão somente uma voyer.