23 janeiro, 2010

Biografia - Parte I

A nameless nasceu da minha necessidade ordinária de me sentir incógnita. Julgo que ela em nada se assemelha ao meu eu quotidiano. Ela é a personificação do desespero, uma sombra do mais primitivo e pornográfico que em mim habita. Poderia aplicar-lhe uns quantos adjectivos que a iriam descrever na perfeição, porque, afinal de contas, fui eu que a criei. Podia, mas não quero. Ela é fruto de um mero encadeamento psicológico numa realidade que me enoja.  Foi este ódio exacerbado pelo mundo, esta febre de me encontrar que levou a que tivesse a alucinação devida. Nameless trying to be Someone ou, como inicialmente se iria chamar,  Rosário Branco, guia-se pelos princípios do desrespeito, da heresia, da cobardia.

Findava o ano de 1960 e, algures entre o Douro e Minho, estava para nascer aquela que viria a ser a nona filha de Carolina Mateus Dias. O dia 7 de Dezembro trouxe Rosário ao mundo, por entre o desespero da sua mãe, encontrada horas mais tarde do parto desmaiada por detrás da  igreja. Herdou o apelido de Fernando Luís Branco, defunto fazia quatro dias, apesar deste não ter sido o responsável por emprenhar a sua mãe. Filha de pai incógnito e mãe dada aos prazeres carnais, Rosário cedo se começou a distanciar de casa, passando longas temporadas em Peniche com uma tia velha cuja vida se reduzia a uma religiosidade doentia. Quando regressava à aldeia, encontrava a sua mãe cada vez mais gasta, farta dos caprichos dos homens e dizendo até amanhã aos dias. Aos oito anos viu-se sozinha: a mãe morreu durante o acto, com a cara tapada por um saco de plástico e os peitos queimados com pontas de cigarro, a tia, essa, mudou-se para o Convento de Santa Teresa, de onde não poderia sair nem por onde poderia receber ninguém. Corria o ano de 1968 quando Rosário Branco foi acolhida pela irmã Cristina de Caldas, passando a viver num colégio interno de meninas órfãs. Aí viveu a infância que nunca tinha conhecido, apesar das regras apertadas, Rosário pôde conhecer outras raparigas cuja vida não lhes  havia sorrido. Certo dia, tinha Rosário acabado de completar 12 anos, ousou questionar em voz alta a justiça divina: passou 39 dias (o número de livros do Antigo Testamento) isolada num quarto a comer uma única refeição, de pão e água, a cada 12 horas. Fugiu do Colégio três dias após o enclausoramento. Como tinha um corpo desenvolvido de mais para um menina de 12 anos, deram-lhe 14 primaveras na estação de combóios, o que lhe permitiu viajar até Coimbra. Gostava da cidade. Ouvira as irmãs sussurarem a história de um Pedro e de uma Inês, cujo amor trágico se dera perto de um rio chamado Mondego. Queria conhecer Coimbra, apoderar-se do rio que lhe consumia a imaginação e ser, por fim, feliz.
(...)

16 janeiro, 2010

calem-se!
não me apregoem sentenças,
não me imponham crenças
não se dirijam a mim.
o meu fado é o de um verme
cuja terra do cemitério é o seu fim!
calem-se!