19 junho, 2013

Aprender algo com o passado dentro das ondas do mar


Entrei em ti, nas tuas águas, para fechar os olhos e parar um pouco a respiração. Não era essa a intenção inicial, ao colocar os pés nas águas do teu mar, mas é a conclusão a que chego neste momento. O fogo, capaz de circular nas minhas veias, parou e o meu coração dá-se por vencido. Escrevi um disco, um livro, tudo para ti quando devia ter deixado a minha caneta em cima da secretária, sem gastar dezenas de litros de tinta negra como fiz. Às tantas polui o mar por ter andado a escrever em grande quantidade. As tuas ondas acolhem-me num passado distante. Remexem em todo o meu corpo, retiram-lhe temperatura e desejam enrolar-me para não conseguir respirar. O teu interior nunca esteve tão revoltado. Nunca sonhaste em acolher-me na tua profundidade. São duas hipóteses que tantas vezes aparecem na minha mente, na minha alma. Entrei em ti e as tuas ondas acolheram-me. Mergulhei e nadei nas águas límpidas que me ofereceste, sem me aperceber que as minhas lágrimas tornavam as águas turvas, sem qualquer brilho ou cor. O azul límpido deu lugar a um cinzento turvo e nunca mais consegui ver as rochas, os seres vivos e os restos dos barcos afundados na tua profundidade.

Entrei em ti para agora estar deitado nas areias e ouvir, unicamente, o som das tuas ondas. Não sinto os raios solares como deveria, faltam dois dias para o Verão, e tenho uma tempestade dentro de mim. Trovões, vento e nuvens revoltadas a penetrar em mim há meses e meses. Quero entrar novamente para me afogar mas tu nunca vais deixar. Ou já não me amas?

12 junho, 2013

Celebração do corpo


Nunca olho para o meu corpo. Os meus olhos castanhos olham “em diagonal” para os meus braços finos, para as unhas e dedos mais do que roídos, para as minhas calças skinny (em que cabe, por vezes, outras pernas da grossura das minhas) e para os meus pés demasiadamente pequenos para o género masculino – uma outra travessura colocada na minha cabeça e na de todos os portugueses, os valores e princípios colocados para o sexo masculino e feminino: exige-se a um corpo determinada forma e contorno para estar nos padrões da beleza. São esses padrões, valores, princípios que constroem uma visão. Complicam a tarefa que dou aos meus olhos castanhos em esvaziarem-se de qualquer preconceito e receio. É tão complicado livrarmo-nos desses estereótipos, fortes quando a diferença ganha poder no meu quotidiano, com regras de conduta podres e cinzentas para o meu estado de espírito. Tal como existem padrões para os outros, já que o outro está sempre presente para quem odeia ver-se como um individual, existe um formado e alimentado na minha mente. Desenho tantos universos alternativos e não consigo livrar-me das regras básicas deste mundo, ou uma mulher tem de obrigatoriamente casar-se com um senhor para ter filhos ou uma menina não se apaixona naturalmente por outra menina. Talvez seja um pecado olhar para as histórias dessa forma, os efeitos do que me foi incutido desde pequeno acaba sempre por ter um efeito secundário por mais mínimo que seja. 

A minha mãe olha para mim e diz que não perdia nada se tivesse mais uns quilos, se as minhas costas fossem mais largas, se tivesse mais cintura, se os meus pés não fossem tão magros quando calço um sapato e acaba por ficar-me extremamente largo. Mas, minha querida mãe e todas as outras mães no universo, porque é que olhas para mim e não afirmas em primeiro lugar as minhas qualidades? Consigo chegar onde não consegues, quando tentas colocar-te numa escada para agarres algum objeto lá em casa, o meu cabelo é forte e não anda sempre pelo chão tal como o teu. Existe uma proteção por detrás de todas as declarações dos defeitos que vais libertando dos teus lábios, não seria um regozijo para ti se um ser humano não apontasse qualquer defeito no meu corpo? Os humanos constroem a sua humanidade, fogem da divindade ao apontar defeitos em qualquer espécime idêntico. Funciona desta forma e nem nos próximos cinquenta anos vai mudar, quando meu corpo estiver fraco, envelhecido e os meus cabelos cinzentos começarem a cair. Não aprecio olhar para o meu corpo quando o tenho de fazer e celebrar. A masturbação é um pecado, bem sabemos, mas para quê atingir o prazer individual se nem se quer olhamos para os nossos corpos em condições? Há uns tempos, uma rapariga disse-me que nunca tinha atingido o prazer sozinha. Mas então, minha querida, como é que o vais conduzir até aos recantos do teu corpo, recheado de surpresas inimagináveis? Talvez ainda te vá ouvir na minha casa a abrir a boca para soltares gemidos profundos, quando há incentivos não há problema em liberta o desejo carnal. Não troco beijos com desconhecidos por motivo nenhum, é um teste. Até que ponto vai o desejo presente no coração, nas hormonas, nos pulmões e na língua, imagino na minha cabeça. Andam todos tão recheados de desejo que escondem os livros eróticos em capas, com esse propósito, para não serem recriminados.

Sexo, sexo, sexo. Deus deu-nos isso. Qual é a divindade que oferece instrumentos só com o objetivo de recriminar e colocar nas portas do Inferno? Tenho paz em todas as igrejas a que vou, não são assim tantas ao longo de um ano, conforto quando me sento num dos bancos e um pouco de frio por não deixarem entrar os raios de Sol. Nesses momentos também não olho para o meu peito, coloco a mão e sinto um poder extremo a querer fugir. Talvez seja isso que falta um pouco a todos, sentir o poder dentro do nosso corpo. A mim nunca me faltou coragem para tal ato, só não gosto dos olhares alheios e críticos à minha volta. Posso não olhar para o meu corpo mas dou-lhe tanto amor.

07 junho, 2013

Morrer em ti


Devia ter-me afogado em ti. Não consigo desenhar a tua carne e os teus olhos, só tenho as tuas palavras para viajarem na minha mente. Devia ter ficado sem respirar durante mais de uma hora para a minha alma estar longe do meu corpo por alguns momentos. Sinto uma saudade ardente do teu queixo ao pé do meu, da tua respiração a perturbar os meus fios de cabelo castanhos e dos meus lábios a saborearem os teus recantos, como se alguma vez isso tivesse acontecido e não me julgassem um louco. É tudo uma epifania dos meus pensamentos mais escondidos, da minha vontade em tocar no teu rosto à medida que vamos fugindo mais e mais um do outro. Passam-se quilómetros, horas e não consigo tocar na temperatura gelada das águas do mar. Nesta violência de emoções há um último desejo que não concretizei: dar-te a mão direita e sentir a tua pele por uma última vez, como se fosse possível pensar em última vez. A minha mente, meu anjo, continua a pregar-me partidas e continuo a dançar para libertar os meus demónios. Seres maléficos e puros de vontade personificada em gritos, discussões, vontades e amor escondido

Devia ter deixado o meu corpo afogar-se em ti para ser a última vez. Anseio por renascer em ti quando olhar para os teus olhos castanhos e misturar as minhas lágrimas com o tecido da tua alma.

És imortal, já escrevi tanto para ti, só para ti e continuas sem saber ou ler.

06 junho, 2013

O vinho branco, tomado à janela do meu quarto


Há curiosidades que nascem nos meus pensamentos e não me conseguem largar. Acabam por tornar-se pequenos pesados, o meu subconsciente faz questão de trabalhar todas as noites para me assustar mais um pouco, e não escapam até os exteriorizar. Se mexer os meus lábios com esses pensamentos a mergulharem nos meus neurónios sou capaz de jurar que digo serenamente obsessão, escuridão. Duas palavras terminadas em ão que dançam comigo todas as noites, a olharem para o meu corpo adormecido na cama. Não há qualquer tipo de música tranquilizadora para os meus ouvidos e para a minha alma, alguma palavra que transpareça exatamente a minha intenção. Nem os meus olhos castanhos ganham um pouco mais de vivacidade quando estou a sorrir para esses pesadelos, para as curiosidades aprisionadas na minha cabeça. A minha voz teima em ganhar vida quando o silêncio e a escuridão se apoderam do meu quarto, chego mesmo a jurar que não há nenhuma presença nesse curto espaço e efetivamente não há, tenho as minhas paranoias a incendiarem-me a mente.

Tenho-te a ti nos meus pensamentos, à meia-noite que todos os relógios marcam no meu país e apercebo-me de que algumas senhoras, à procura de uma encarnação magnífica de Deus poderoso, já deixaram os sapatos em qualquer escada para ser encontrado. Quando o coração de um ser humano teima em bater violentamente, em remexer nos órgãos do corpo, o cérebro não para de desenhar o rosto de uma outra pessoa. Essas damas premeditam os passos, descalçam-se para o feitiço de um final feliz continuar. Houve um idiota qualquer que decidiu contar uma história e propagou-se, que nem a Bíblia, em que só as tolas acreditam e, a partir desse momento, só há espaço no corpo para a outra pessoa, o outro ser humano, o outro ser humano. O outro, o outro, o outro que se propaga como um vírus. Nem há oportunidade para o egoísmo asfixiar um pouco o sorriso da nossa personificação de amor, neste caso da minha personificação do que é amor. Não digo que o amor, definição e palavra com conceitos tão complexos, não esteja colocado nos meus animais (de estimação), na minha roupa, nos meus objetos, nas minhas mãos e até no meu cabelo mas o que seria de mim sem ter um espécime, ser humano e com semelhanças a tantos outros seres, a quem entregar o meu amor e conforto? Teria um egoísmo tão forte e elevado caso deixasse de pensar no outro ser humano, se não me deixasse levar pela minha tentativa de encontrar a personificação de amor puro?

Sonho com as minhas mãos a mudarem um rosto, uma troca dos lábios, a minha unha a passar por essa leve carne e a abrir feridas para o sangue ser livre, os meus dedos a entrarem nuns olhos claros, cheios de brilho e azuis. Obsessão, escuridão e um pouco de frustração. Só me posso libertar destas curiosidades, das trocas que posso fazer num corpo, através dos sonhos. Os cirurgiões podem fazer estas alterações mas só com a devida autorização da alma que comanda o corpo – mas nós comandamos mesmo o nosso corpo, pergunto-me a mim mesmo. Tenho esta imagem no fundo do meu telemóvel, o corpo mente, e enquanto não a compreender não vou retirá-la. Acontece com todas as minhas imagens que tenho no telefone, somos tão geração do século XXI que nem me dou ao trabalho de desenhar essas impressões e imagens. Basta clicar num website recheado de imagens para o nosso sonho aparecer, escarrapachado para vermos. Os seres humanos são mesmo iguais, interrogo-me mais uma vez.  Existia perfeição caso tivesse liberdade de mudar um nariz, qualquer tipo de cabelo e aborrecimento a correr-me nas veias. Neste momento apetece-me levar a minha personificação para algum lugar e deixar que faça de mim o que quiser. Consome os meus olhos, os meus lábios, os meus cabelos mas deixa-me a alma para continuar a viver. Ainda há um fio de esperança para os tolos, gosto de acreditar.

Já não soltava as minhas palavras há tanto tempo. Neste momento sinto uma ferida, a minha personagem escritor gosta de sofrer um pouco, alguns minutos por dia. A minha alma continua com um sorriso genuíno e bebe um pouco de vinha branco, acompanhada. Nunca gostei de encarar a vida como uma escuridão divina e o mais curioso é o facto de alguém, que não me conhece como pessoa, pensar que estou num sofrimento desgraçado.

01 junho, 2013

Quando deixo de escrever temporariamente


Não escrevo há muito tempo e a sensação que me fere o coração, de uma forma violenta e descoordenada, é a forma como não necessito das palavras para demonstrar o meu estado de espírito. Só o silêncio já é indicador de algum sinal fora do comum, este querer circular no meio das ruas sem nada à volta. Desejo, nos meus sonhos, de estar sentado num espaço branco com luz do mesmo tom a acompanhar, sem objetos ou seres vivos, mesmo que sejam árvores, um lago, mar ou rio. Tenho, nesses sonhos, uma caneta negra ao pé de mim e a liberdade em desenhar o que me vai no coração. De me deixar levar e desenhar, riscar, desenhar, riscar, desenhar, riscar e voltar a desenhar mais uma vez nesta infinidade, em que não há buracos nem poços. Mas o que vai na cabeça de um ser humano quando só há vazio à sua volta? Silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio. Custou-me mesmo escrever tão seguidamente estas palavras mas é a verdade.


E como vi num livro do José Luís Peixoto, em duas páginas li unicamente a palavra quero morrer. Mas da forma como estou só vou pedindo a Deus, com a minha caneta preta na mão, deixa-me morrer. Deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer, deixa-me morrer. E tenho de escrever mesmo estas palavras, os meus dedos já me estavam a começar a doer por estar a fazer o mesmo movimento no teclado, as mesmas teclas a serem pressionadas. Quero morrer para acordar como novo e sinto que estou nesse processo. Deixa-me morrer sem ninguém ao meu lado, faço este pedido mais especificamente para não levar nenhum corpo ao meu lado, basta os meus ossos e o meu corpo – a caraterística que um amigo meu me apontou sempre nos meus textos, que falo muito sobre ossos e sangue. Quem sabe, não é? Não escrevo há muito tempo e espero não continuar assim mas tenho a certeza de que esta paragem me vai fazer bem, todas acabam por fazer.