22 junho, 2012

Lição nº 1 para a destruição pessoal


Para a destruição pessoal basta provar com a ponta da unha alguns dos ingredientes oferecidos por uma vida sem uma ponta de luz, devorada por todos os filósofos pessimistas. 
Veneração por terceiros, compaixão, perdão. Na minha lista colocaria dezenas de ingredientes, classificados como características plenamente humanas, para perder-me nos esgotos de uma vida poderosa, em que coloco a coroa e reino completamente sozinho, com todos a obedecer-me e a terem o medo como um inibidor potente. Quando as empregadas fizeram alguns bolos na cozinha, passei a unha por alguns dos ingredientes que compunham o chocolate, o doce de morango e as cerejas usadas em várias tortas. Os raios solares que invadiam as cozinhas foram invadidos por uma escuridão capaz de matar o meu coração e a pureza do meu espírito, a bruxa com quem troquei beijos apaixonados olhava-me fixamente no fundo da cozinha para apreciar o roubo da minha alma por demónios do passado. Ao tocar nos meus lábios colocou a mão no meu peito, pressentindo o vazio de uma caixa torácica e amaldiçoando as minhas boas intenções por ainda não conseguir amá-la. O amor destrói, é uma tempestade de Inverno que leva todos os terrenos, casas, pessoas no redemoinho fulminante. Com um coração partido existe um prazer a roubar uma vida humana, a ver profundamente o desvanecimento de uma alma para o reino dos céus. O amor destrói um corpo humano, arromba todos os andares do corpo, retira os órgãos dos devidos lugares e desliga fios de acesso ao sistema nervoso. A bruxa estudava-me atentamente sempre que a rapariga de cabelos dourados, perita em rejeição e discriminação, passava por mim. Os olhos negros perscrutavam todas as alterações, um pequeno arrepio que caminhava pela minha espinha, o suspiro ligeiro que se soltava da minha boca. Ao estudar-me e perceber que o meu coração não batia por ela, tinha o desejo de o arrancar e comer com os próprios dentes. O maior prazer era ter o sangue a escorrer pelos lábios frios como o gelo, o êxtase chegaria se mergulhasse no meu sangue, quente e acabado de sair de um corpo sem vida. O amor destrói, o amor não correspondido corrói. Apesar de toda a magia a percorrer as suas veias, a bruxa sem nome conseguia amar um simples humano com os seus olhos negros, o cabelo castanho claro e a pele branca. Seduziam um simples mortal recheado de sexualidade, de serenidade nos seus atos, com simplicidade no comportamento. Um mortal que nunca entregaria o coração para toda a eternidade, pronto a amar uma herdeira de todas as forças do Mal. Queria roubá-lo e terminar com a vida dele para não ter de sofrer mais sempre que caminhasse ao seu lado, corroía-lhe o próprio coração desfeito pelas trevas este amor. Tinha o desejo de se ajoelhar a seus pés quando conseguia ser mais poderosa do que ele, a veneração comia-lhe o estômago e todas as mãos. Nestes momentos continuava a olhar para ela distraída e firmemente. 

15 junho, 2012

A morte no Cabo das Tormentas,



Consigo ver as veias e o sangue a passar nos teus olhos, completamente despidos de qualquer proteção muscular com o verdadeiro poder da tua observação a inquietar-me a alma. Tenho a capacidade de explorar os teus ossos, o teu esqueleto com a minha simples visão por ter o conhecimento a inflamar-me as decisões e a deturpar os meus desejos. Tenho-te a ti e ao teu esqueleto deitados no meu sofá, na individualidade própria de cada corpo humano, com a sensação de ter a tua alma pregada à brancura de cada osso da tua constituição. Um arrepio percorre os meus músculos quando colocas a mão sobre a minha perna, para acariciar ou magoar em seguida com um ligeiro aperto na pele. Esse arrepio alastra-se pelos cabelos por ter um cadáver a beijar-me o pescoço, a mexer nos meus fios capilares no mesmo segundo e a desejar-me furiosamente, evocando todos os espíritos. Um desejo mútuo de possuir os teus ossos, de quebrar toda a tua constituição e de procurar o coração que falta na tua caixa torácica cresce aos poucos. Leva-me daqui, leva-me daqui por não aguentar mais os espaços rodeados de seres humanos, de vivacidade, de trivialidade e crueldade que rodeiam todos os dedos recheados de carne, de pulsação e sangue azul. Um sangue que coloquei na tua boca, um disfarce contra a ausência de lábios carnudos. Falta-te um pouco de carne para conseguir amparar-te nos meus braços, falta-me um sorriso já que não escondes os dentes límpidos por detrás de qualquer tipo de pele, falta-te um sentido de vida por estares colocado no limiar da diferença quando o oxigénio passou por todo o teu pescoço pela primeira vez. E a tua língua continua a incendiar-me, a tua mão gela-me as pernas enroladas na tua cintura. Quero puxar os cabelos que te faltam na nuca, ambiciono um pouco de carne para apertar quando os teus lábios possuírem os meus. Quando trocarmos de papéis, quando me roubares toda a humanidade.

Conheci-te no teu próprio funeral, quando o teu corpo estava pousado no caixão e a tua alma estava sentada ao meu lado. Conheci-te quando sussurraste a confissão de me observar há alguns anos, por teres a capacidade de sair do teu corpo durante a noite e olhares para os meus olhos castanhos quando estava a ler uma enciclopédia. Nas horas de leitura dos meus dez anos de idade, dos meus quinze, dos meus vinte. Sentei-me no banco da capela sem ter permissão para te responder, demasiadas lágrimas eram libertadas devido ao teu suicídio, à tua inconformidade para com a linha dos vivos, dos que permanecem na Terra sem qualquer lógica ou plano. Por me amares à distância, por apenas existir o desejo de pintar os cabelos num tom cinzento e utilizar roupas negras nos pouco mais de vinte e cinco anos de existência. E a promessa de teres uma última experiência sexual antes de partires foi colocada em cima do banco, mas não esperava desejar um cadáver depois da meia-noite. Uma constituição óssea recheada de desejo para possuir às duas da manhã. À medida que escrevo penso, não quero falar nisto, não quero pensar nisto, não quero relembrar isto. Mas se não comunicar sobre os tormentos da minha alma nunca vou chegar ao cabo da Boa Esperança. Os medos consomem a minha pele se não soltar palavras e o meu corpo decompõe-se ao estado de um igual cadáver por não ter controlo sobre a situação, sobre os meus pensamentos. Não quero falar sobre isso, continuava a pensar, o ciclo vicioso entrava em ação a balançar todas as peças. Consigo ver as veias nos teus olhos, com os meus lábios a tocarem na tua boca, a tentarem morder os teus ossos frágeis.

Corro rapidamente para fugir dos meus fantasmas, corro para fugir dos teus fantasmas. Passo horas a correr, mesmo se equivalerem a anos. As pessoas passam demasiado tempo a correr, gastam o tempo a apaixonar-se quando deviam amar o próprio corpo, ao invés de desejarem cadáveres e almas sem um corpo. Tenho-te a ti e preciso de um pouco mais de realidade, só me apercebo deste desejo quando passo horas a observar as paredes de um novo quarto, totalmente brancas e sem qualquer decoração. Tenho-te a ti mas prenderam-me os pulsos numa cama para as horas passarem a loucura não consumir o meu cérebro. Quero falar sobre o que me vai no coração, sobre todas as pulsações que teimam em matar este músculo. Tantas vezes citado, tantas vezes maltratado. O meu barco afundou-se no cabo das Tormentas. Os destroços ficaram contigo e estou apaixonado pelo passado, por ti até ao momento em que olhar para ti e ver-te como o futuro. Mas para não me consumir, vou falar sobre isto a todos os ventos, vou falar sobre isto até a minha voz se esgotar.

14 junho, 2012

Matar fantasmas,


Está na hora de te escrever para te abrir a porta dos meus sentimentos, do meu coração e para te guardar nas minhas memórias. Os meus dedos acarinham pequenos choques por ser capaz de oferecer um pouco de energia ao teu fantasma, no momento em que soletro o teu nome na escuridão do meu quarto e à medida que despejo o passado sobre as carpetes verdes. Esses pequenos choques atormentam a minha lógica, a velocidade com que escrevo e o meu raciocínio para sussurrar o que vai na alma. Quando se fala baixinho, todas as outras pessoas falam igualmente baixo por saberem que se trata de um assunto sério, recheado de insegurança, um assunto inundado em lágrimas e veneno. O teu fantasma está presente ao lado da minha alma, por teres sido mais do que um dia ou uma noite como muitos seres humanos sem qualquer pureza costuma rotular. Nas caçadas noturnas, as minhas elegantes, humanas, todas as que acontecem dentro de um recinto, ao invés de armas, cordas e ferros são colocados quilos de maquilhagem, roupas acabadas de comprar, cremes nas mãos e todos os fios de cabelos são alinhados. Nesta descrição da procura desenfreada por um único beijo que console os músculos, a tesão, suguei-te um pouco a alma à medida que nos beijávamos e pedia-te para “ficares comigo” quando a minha existência precisava unicamente de um ser humano perto. Apesar de todos os outros olhos experimentarem-te e mesmo com o rótulo de uma aventura passageira para aumentar o ego, foste mais, és mais, serás mais daqui a uns anos. Escrevo-te para te libertar de mim, para voares violentamente por todos os céus e conseguires proclamar-te como o conquistador de novas terras, novos desejos e sonhos. Pelo teu telefone conseguiste escrever que te encontravas bem, que não precisavas de mim, a tua ira inflamou-me os cabelos, os meus olhos castanhos e as minhas unhas roídas. Sempre ouvi dizer que qualquer alma curada ou tranquila não sente necessidade de se alimentar de um dos sete pecados mortais, a ira. E quem sabe se não foi buscar um pouco de inveja, questiono-me frequentemente sobre isso.

Num sofrimento pessoal, individual, tinha a alma quebrada por não organizar sentimentos em relação à minha alma gémea. Por saber que a encontrei e não conseguir aceitar que precisava de esperar, de beijar, de respirar um pouco de vida, de ferir as minhas asas antes de deixar de voar. Quando encontrei o amor da minha vida, nem sequer tinha voado por terrenos proibidos, aqueles em que qualquer arma está apontada às duas asas e a morte é iminente. A minha alma derretia-se nos minutos em que me encontraste. Ardia e permanecia numa cova, pronta para a Morte a enterrar, para fechar poucos capítulos numa sala de arquivo. Quando te encontrei, estava desmaiado pelo álcool que circulava pelas veias. Desmaiado ou adormecido, como quiseres chamar. À medida que libertava as minhas mágoas por todos os canos, ao deixar que água escorresse pelo meu rosto para acordar da minha melancolia, senti as tuas mãos sobre os meus cabelos numa tentativa de aconchego. Se as horas que passei fossem transferidas para o presente talvez te tivesse dado um tiro fatal no peito para me deixares sozinho, sem perturbações. Que todas as cobras do Mundo rastejem pelo chão, penso que foi dessa forma que Deus condenou este ser vivo pela maldade provocada a Eva, doce e inocente que descobriu a nudez depois de trincar o fruto proibido. Esse fruto, equivalente a uma maçã, trincado também pela Branca de Neve nos contos de fadas. Sejas a cobra ou o fruto apetecido, a minha garganta asfixiou, as minhas cordas vocais partiram-se no momento em que te pedi para voares por o meu coração estar vazio, por não existir absolutamente nada para oferecer.

Nas tuas lições de voo não te esqueceste da derradeira aula: aplicações da palavra sempre quando alguém pede para sairmos da sua vida. Nesses minutos as tuas penas brilharam à luz do Sol, escrevo-te agora para dar um ponto final. Não desejo parágrafos, pontos finais são mais atraentes quando não existe nem uma gota de compaixão. No inferno aguardam-me todas as cobras venenosas, prontas para enterrar os dentes na minha carne. Sussurro baixinho para todos me levarem a sério, para me levar a sério.

09 junho, 2012

Rascunho sobre as paixões,

Sinto a leveza de umas mãos a passarem, a tocarem nos meus fios de cabelo. A leveza é sentida na rápida e simples passagem pela cor castanha dos curtos fios, na voz sussurrante recheada de encantamentos. São cantadas várias músicas aos meus ouvidos conservados. Ao criar-me, Deus desejou uma passagem temporal lenta ao meu corpo, no momento em que coseu a alma a estes pulmões, a este coração, aos lábios carnudos. Passa os dedos pálidos pelos meus cabelos para pressentir a pureza da minha alma, exposta a todos os elementos cancerígenos dos outros seres humanos. Ao criar-me pensou na minha existência como uma paixão, não como uma experiência. Todas as tentativas associadas às experiências de laboratório trazem mecânica, frivolidade, passagem rápidas. Esperava-me uma mão pálida e serena a massajar-me os cabelos, ao contrário de uma mão áspera, com dedos fortes e uma violência extrema em todos os tecidos celulares. Os meus olhos não recebiam a luz do Sol, encontrava-me deitado à beira mar com as ondas a enrolar à minha volta. 

À medida que Ele passava as mãos pelos meus cabelos, as ondas protestavam para tocarem nos meus pés, o elemento mais destruído pela vida urbana, pelos sapatos apertados, pelo lixo depositado em todas as esquinas onde dezenas de jovens eram violados. Apelavam, rezavam ao enrolarem para sentir a minha destruição. Os meus lábios recebiam o ar de Deus, a olhar-me serenamente. Soltava lágrimas pelos caminhos traçados, pela ausência de inocência na minha essência e com a outra mão tocou no vazio do meu peito. Mexeu nas cavidades, a temperatura baixa da caixa torácica gelou-lhe os dedos fantasmagóricos. Chorava por uma morte corporal da sua criação, do seu amante. Deus sentia a minha vivacidade depositada nos lábios e desejava colocar-me no mar, uma dualidade que o matava espiritualmente.

Ao tocar-lhe nos cabelos viu o passado, sentiu e bebeu todas as experiências da vida humana. O sabor de vários cigarros, as roupas assentadas no peito trabalhado por todas as máquinas de origem humana, as calças nas pernas, as pulseiras a apertarem-lhe o pulso. O bater do coração parou-lhe a respiração, à medida que entrava nas minhas experiências humanas e engasgou-se com estas novas sensações. Meteu as mãos à garganta para não sentir a morte por asfixia. Em todos os minutos em que bebeu do liquido da minha alma, as ondas conservavam energia para me levar, por me amarem e para me guardarem na imensidão das águas do mar. Cantavam odes, glorificavam uma divindade que desprezavam todos os dias. Enrolavam-se para destruir uma possessão divina, uma paixão imortal. Ele continuava a enrolar-me os fios de cabelo com os dedos. Na minha morte corporal senti a confiança a esvoaçar pelas minhas cordas vocais, com o silêncio a penetrar na escuridão daquela noite.

A todas as experimentações saboreadas por este deus do Olimpo respondia com silêncio, por indignação, para partir e amar novamente Hades. Na minha imortalidade, beijaria a divindade servente às Terras inferiores, rasgaria as roupas do guardião de todos os mortes na sede de desejo. Sonhava com o imperdoável. Quando Deus me enrolava os fios de cabelo castanho, escondia os meus desejos profundos. As ondas imploravam e continuavam a rezar para me levarem. A leveza das mãos passou para o meu peito, ao empurrar-me para o mar. O sal das águas conservou-me rapidamente e enrolou-me no fundo do oceano.

Libertei um sorriso ao permanecer deitado em todas as rochas, ao sentir-me livre. As ondas lavaram os meus pés, ofereceram-me juventude eterna. Toquei nos lábios de um deus morto, apedrejado por todos os seres humanos, capaz de descer aos confins do Mundo. Enrolei as minhas mãos sobre o seu pescoço para o olhar atentamente, ao sentir que me levava das profundezas do mar. As ondas lavaram-me os pés brancos e senti o início da vida com a morte corporal.