13 março, 2015

Esperança


Não consigo sentar-me, descansar, flutuar. As lágrimas desaparecem ao tocar o chão, dada à alta temperatura na minha pequena sala de estar. Sem tempo de calçar uns bons sapatos, comprados na Feira da Ladra a uma senhora idosa, para alimentar feridas no meu corpo. Sem equilíbrio para me manter em pé, forçar o meu corpo numa posição rigída – ou será frígida? Os meus olhos morrem ao tentar acompanhar um ano de sensações, tarefas, sentimentos, enrolados em leves memórias de um passado ainda mais distante. Um rio monótono, sem peixes ou algas, a inundar as minhas recordações. Não há um presente sem um toque de várias camadas do passado e o futuro permanece durante poucos segundos no pensamento. Encosto-me a uma parede para amparar o meu corpo, uma forma de prevenir uma queda mais violenta no meu lar. Um lar inundado por corpos, lábios, copos de vinho, frases construídos pela minha mente. Desço aos poucos encostado à tenra parede, com lágrimas a morrerem aos meus pés, para tentar alcançar o ano de duro trabalho e o assassinato de há alguns dias. Um país em profunda crise económica e cultural dá todas os acessórios para os dentes ficarem à mostra em qualquer ser humano. A minha cabeça encosta-se ao chão para queimar o resto de cabelo mal apanhado e, violentamente, terminar com a minha imagem castradora. Castro-me mas capacito-me para todos os padrões exigidos do outro lado da secretária, sedentos por escolherem a dedo um novo escravo. Em qualquer país em crise é fácil escolher escravos saudáveis, há uma ajuda do Reino para essa tarefa. Ao final do dia, os escravos – talvez seja melhor usar a palavra trabalhador para não afectar almas sensíveis – caem no chão das suas casas, sem conseguirem ver o futuro mais próximo, e um grito de desespero amolece as paredes de barro. 

Os meus amigos apelam para continuar a caminhar e todos olhares de inveja, desgraça e destruição apelam para a minha morte. Um morte longe de estar presente nos meus dedos e no meu coração. A temperatura do meu chão desce e o sofá permanece vazio. Sento-me, descanso, flutuo e permaneço com um brilho nos meus olhos. Nem todos necessitam de mostrar os dentes, sedentos. Sangue não se transforma em tinta para paredes brancas.