28 outubro, 2008

és a chiclet sem sabor que cuspi para o chão, pisei e que agora não quer descolar da minha bota.
vou começar a juntar dinheiro no meu porquinho, com cara de cachorro, mealheiro, para um dia destes comprar umas botas em que as pastilhas se não peguem, as pastilhas sem sabor.

26 outubro, 2008

hoje ouvi o grito vindo de todos os esgotos.
ouvi o fado mais triste e uma conversa entre fantasmas.
ouvi o medo de todos os amantes e ouvi a sina dos poetas.
hoje ouvi a pornografia dos homens castros e as fantasias da menina exemplar.
ainda ouço o murmúrio das preçes de todos os angustiados e as frases corajosas dos heróis ultrapassados.
hoje ouvi o que as paredes ouvem e o que o olhar não diz.
ouço os gemidos, os beijos e o orgasmo de todos os namorados.
ouço todas as frequências de rádio e o telefone a tocar.
hoje ouvi um bêbedo e uma costureira a fazerem amor.
agora estou a tentar ouvir o silêncio e ninguém faz o favor de se calar!

20 outubro, 2008

às vezes desligam-me sem eu querer.
às vezes eu quero desligar, mas não consigo.
ide-vos todos, oh falhas perfeitas da sociedade, deixai-me no meu éden imaginário do qual não fazeis parte! nem vós, inegualáveis seres, nem vós sois capaz de calar a minha loucura! meros pedaços de carne enfeitada entranhada de merda, podres vidas de doentia ignorância.
quereis sentir a raiva das teclas do meu piano? ou preferis ouvir os versos sujos que declamo em vosso nome?
todas as ilusões sumiram-se, os medicamentos fizeram efeito.

18 outubro, 2008

amanhã não existe.

hoje sou tua, da maneira mais inocente do mundo.
hoje a minha meta não é o orgasmo nem tão pouco o maior arrepio na espinha, hoje as horas vão abraçar-se e a noite vai durar para sempre.
porque hoje, enquanto a humanidade morre, nós estaremos a fazer amor como se amanhã fosse outro dia.
não, nunca lhe contarei aquela noite. jamais saberá o quão bonita estava, deitada na calçada, com um copo de champagne entornado sobre o vestido púrpura. um sorriso brotava dos seus lábios secos, muito roxos do frio.
delicadamente, descalçei-lhe os sapatos muito pretos e muito altos e pu-la em pé. encostei-a ao meu peito e oh! ainda estava quente. dançámos lentamente, descalços, e eu beijei-lhe a face rosada vezes sem conta.
no dia a seguir, foi o seu enterro.
o meu amor por ela tornara-se uma doença crónica.

12 outubro, 2008

perdoa-me, mas estou saturada. foram demasiadas noites à tua espera no sofá da sala, de unhas pintadas e robe vermelho, dois copos de whisky e um maço de marbolo lights por cima da cabeçeira. quiçá em vão cada hora, madrugada a dentro, à escuta do som da chave na fechadura do meu apartamento.
mas agora estou a envelhecer, meu amor, a vida já não me permite que goze as minhas madrugadas numa odisseia de lágrimas. as minhas costas estão de ressaca e os lençóis nos quais tinhas entornado uma chávena de café foram para lavar.
quando voltares, ao bom estilo de nómada-revolucionário, já terei comprados outros, mais brancos que estes e com uma renda azul.
no entretanto, o sebastião morreu. passou os seus últimos dias a encher-me a casa de pêlo e a deixar o odor inconfundível de chichi de gato na carpete do escritório. chorei muito, mais por mim do que por ele, e agora tenho que aquecer um saco de água quente antes de me ir deitar.
há meses que não me respondes às infinitas mensagens que te deixo no telemóvel. pode ser que um dia destes me batas à porta, porque já perdeste a chave até lá, e eu me esqueça das mil noites em que fumei o maço inteiro e bebi o gelo do whisky que não deitei no copo.

11 outubro, 2008

da correria resta o sem fôlego
onde vim ter, afinal?

porque não acho que tenha que fazer o mínimo sentido

10 outubro, 2008

tu que me vendaste os olhos por mil dias, tu que me tomaste como um qualquer pertence teu, tu! tomara poder perpetuar cada pedaço de nós por aí espalhado, o grito que me estrangulava a garganta de tão agudo que era, tomara poder tornar eterno o sorriso que por amor à posse brotou dos teus lábios.
abraço quem não tenho, desejo quem finge querer-me - o que sou eu se não a tua fonte de compaixão? rasto de insanidade que te persegue, incessante?
e jaz no chão o corpo do rapaz feliz.
pára de ter piedade!

08 outubro, 2008

sou a criatura que te amarra à vida e à cama. a torneira de água estagnada que te provoca o vómito e a sede. sou as ruínas da tua memória que não matas com medo de ficares arruinado.
oh meu amor, nunca é tarde demais para matares o que tens vindo a deixar morrer. a paixão que não esqueci não acaba com as ilusões que alimento, ilusões presas a sítios e lugares e dias sem conta certa.

deste algum senso ao que outrora cri ser amor, mas agora mata! não deixes morrer!

04 outubro, 2008

porque não foi à toa que disse amar-te.

eu cria piamente em ti, qual personificação da verdade, e tu que fizeste? gozaste-me como um vício de final de dia. tu meu pedaço de ternura a crédito, jamais farás ideia do quão imensas são as coisas que por ti não fiz. porque não quiseste.

e agora, navegando por este sem fim de vontades que me cremam, beijo gentes que emergem nas saudades de um amor que não mataram. o cheiro dos lençóis em que pousaram mil corpos de mil amantes, jamais igualar-se-á ao teu odor de revolução. as vidas desprendidas que, de um acaso, se prenderam uma à outra para não mais verem morrer o final. a psicose e os traumas que deitaram abaixo cada sorriso não são mais que detalhes banais quando chega o ardor de um suspiro soprado ao ouvido no abraço mais quente.

quiçá se tudo não passou de mero encadeamento psicológico? que por mais reais que ousem parecer as marcas dos teus dentes na minha pele, a verdade for esta? um fracasso tremendo numa realidade imaginária. já bebemos e fumámos demasiado hoje, meu bem – vamos para a cama, antes que comecemos a chorar da bebedeira que nos aquece e a respirar o fumo que nos acalma por mil noites.