20 novembro, 2012

A esperança no ser humano

"tudo em mim és tu."

Fere-me cada vez mais não ter uma gota de esperança a circular em qualquer uma das minhas veias pelas pessoas. Aquilo a que chamamos de ser humano tão bem pode ser chamado de lobo, de monstro, de cão pelas suas caraterísticas cada vez mais persuasivas em colocar os dentes num pedaço de carne. Pedaço de carne, esse que está colocado no braço de um inocente, o que caminha na rua da grande cidade ou mesmo na pequena vila – a caminho do trabalho ou do centro de emprego à procura de um pouco de esperança na vida rotineira portuguesa – com um sorriso, com inocência apesar de todas as dificuldades enfrentadas e a serem enfrentadas, tudo depende do ponto de vista e do tempo verbal a ser usado. Tenho uma canção que pretendo colocar cá para fora de modo a fazer frente a estes monstros, sentados ao meu lado todos os dias e também para espantar todos os meus medos, inseguranças e pecados.  

Não tenho confiança nas pessoas por já não me restar um pedaço de fé por elas. Tenho uma relação especial com Deus – quem enfrenta o que vou despejando neste pedaço pode notar o quão particular é esta minha relação – uma espécie de relacionamento a tentar equilibrar o amor e ódio. Uma das questões que me aterroriza o coração é o facto de se todos fomos criados à Sua semelhança significa que também Ele tem um coração recheado de maldade? Na minha infância incutiram-me a imagem de um Deus recheado de amor, pronto a perdoar qualquer pecado acumulado. Bastava conversar com o padre, confessar as nossas imundices, beijar-lhe as mãos se for preciso para o pedido chegar até ao céu – uma espécie de paraíso estava reservado a todos os que fizessem este ritual de todas as vezes em que caíssem na tentação, em que fizessem sexo só pelo prazer (pergunto-me todos os dias quem não o faz se sabe tão bem). Mas se os ensinamentos estão corretos então isso quer dizer que Deus também contém um pouco de maldade, de sentimentos maldosos tal como todos os monstros que olham para nós na sala de aula, no metro, na minha própria casa em Lisboa? Este é um dos pontos que me temer o ser humano, apesar de estar apaixonado por um. Posso dizer que tenho a melhor pessoa neste momento ao meu lado, a amar-me, estou com um sorriso no rosto de todas as vezes em que estou de mãos dadas, em que coloco cá para fora os meus tormentos, as minhas ideias, os pedaços da minha alma. Se Deus está recheado de maldade então há uma outra zona do corpo, do tecido da alma que contém um amor brilhante pronto a acolher todos os pecadores – assim como também estou, preparado para receber nos meus braços os que mais gosto e aqueles que nem sorriem à minha frente.

Precisamos de evolução, meus monstros. Preciso de regressar daqui a algumas centenas de anos – de ficar a descansar quando chegar a minha hora, no que diz respeito a esta vida e depois voltar num novo corpo, numa personalidade completamente diferente – necessito de regressar e ver a evolução do ser humano, sem que termine o Mundo entretanto. Mesmo com um aviso de necessidade de evolução bem na minha testa ainda me falta tantas coisas para aprender. Talvez seja também uma das razões para algumas também nutrirem confiança no ser humano, tal como eu.  É isso que mais me fere. É essa possibilidade que balança o meu coração nestes dias de chuva.

Um dia, vou ser totalmente livre. Uns daqueles dançarinos de rua com capacidade de beijar ainda mais intensamente, daqueles que roubam as almas alheias com declarações. Sem promessas à mistura porque retira a condição humana ao Homem. Precisamos de evolução, de começar a fazer amor ao invés de sexo, de beijar e não de passar os lábios. O meu coração regenera ao perceber que afinal tenho um pouco de esperança em mim, em ti, nele e em qualquer pessoa que passa na rua.

08 novembro, 2012

Querido Satanás e Deus,



(O mais bonito desta carta foi o dono ter morrido, vítima de um ataque no coração)

Quase que me escorrega o cigarro da ponta dos dois dedos que o seguram e traz-me uma forte dor ao coração, por um dos meus maiores prazeres quase desvanecer-se em segundos. Em toda a minha vida utilizei sempre a palavra “quase” – quase fui ator, quase fui escritor, quase fui estudante, quase que tive os cabelos loiros, já soube qual foi o meu género. Apesar de todas as vezes em que coloco a palavra quase na minha existência também desconheço qual o género a que pertenço, na realidade. O corpo num certo lugar, a cabeça numa outra zona, os lábios carnudos a pertencer a um homem são, sem problemas de saúde e a minha cabeça a preencher os lábios imaginados com uma cor vermelha, sedutores para todos os caçadores noturnos. Apesar das confusões, autênticos furacões destruidores das minhas convicções, consigo ter prazeres mundanos – fumar num final de tarde, com uma caneca recheada de chá quente.

Quase que me escorrega o cigarro da mão ao imaginar-me como uma mulher de cabelos louros, olhos castanhos e hipnotizadores e um corpo dotado de perfeição – essa condição que muda a cada olhar, por cada ser humano que passa pela rua e coloca os olhos em mim. Tal como num circo imagino a prisão perpétua ao lado das panteras negras. Ao agarrar o cigarro dos mais caros e compridos não tenho problema ao imaginar-me num espetáculo de dominação. No meio da insanidade tenho o chá colocado em cima da mesa da esplanada e a outra mão com um chicote. A esquerda, aquela em que escrevo todas as memórias, a que define todos os filhos do Diabo. Nem Satanás conseguiu distribuir-me um género em condições, aprisionou-me num corpo perfeito e beijou a minha mente – purificada, totalmente pertencente a Deus, recheada de imperfeições e feminina. Quero deixar crescer todos os meus fios de cabelo mas a realidade traz-me à superfície. Os raios solares queimam a minha pele branca, as cordas vocais estão danificadas pelo chá quente que acabei de tomar.

Quase que fui mulher, quase que vi os meus pais casados. Hoje sou uma jovem mulher plenamente alimentada a partir da minha cabeça e quando beijo o meu jovem amado no meio das ruas, todos despejam venenos nas nossas cabeças. Destroem os meus cabelos louros – imaginados solenemente – permanece o corpo masculino e perfeitamente cuidado com alimentação vegetariana. No final da tarde, com o chicote colocado em cima da mesa e as grades a apertarem as minhas costelas, liberto lágrimas pelo meu progenitor não aceitar as minhas definições liberais e a minha voz consumida num mundo completamente livre. Falta-lhe ver com olhos reais o cimento carregado de paixão, a visão de eternidade. Liberto lágrimas pelas condenações perpétuas, soltas em todas as janelas, pela insanidade presa no meu cérebro. Agarro no chicote e fecho-me na jaula com panteras negras, essas que pressentem o meu cheiro. Deixo os meus cabelos louros do lado de fora, todos os meus disfarces encantados e as mentiras superficiais – alimentadas pela mente para enganar a sociedade conservadora e cega. Essas panteras deitam-se serenamente, a aconchegarem um novo elemento atirado pela sociedade, longe de ser treino por esse mesmo dito conjunto de pessoas
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Toca um violino como som de fundo e não vejo o meu amado a abrir a porta da jaula. Falta-me oxigénio para alimentar a minha mente. O poder da alma é mais poderoso do que a minha condição corporal. É noite, já os relógios dão as doze badaladas e quero vencer. Venço com todas as minhas forças. Hoje trata-se de uma aceitação sem qualquer quase colocado pelo meio. E fumei todo o cigarro, até ao fim da hora senti que me comeram os cabelos louros e falta pouco para o cérebro ser destruído.