24 janeiro, 2013

(III)

Caro ML,

Ou devo colocar aqui o teu verdadeiro nome? Fazer trocas entre as letras, acrescentar mais algumas para conseguires perceber que me refiro a ti? Acho que não vale a pena, se estiveres a ler as minhas palavras vais logo ver que são destinadas a ti. Ando com uma vontade extrema de escrever cartas aos amigos que já me tocaram o coração, aqueles que ouviram num passado não tão distante algumas lágrimas e questões sobre qual ponte atravessar. És uma dessas criaturas, LM. Agora tratei-te pela ordem correta. Nem me atrevo a colocar neste texto as nossas conversas, todos os temas. Equivalia a colocar um desconhecido dentro da intimidade, a nossa pura e sem qualquer perversidade ou maldade, dão o nome que quiserem a intenções embrulhadas em maldade. Onde vamos parar neste país, com este futuro? Ainda ontem vi um vídeo da Ana Drago, deputada, a dizer ao seu colega para emigrar e não dizer estupidez acerca das pessoas que sempre viveram em Portugal com o ordenado mínimo, esses que pagam agora a grande dívida que nos arrasta cada vez mais para o lamaçal. Pergunto-te onde vamos parar e qual a verdadeira razão para não existir outra hipótese a não ser estarmos separados dos nossos pais, da tua irmã e dos nossos amigos a um avião de distância.

Não digo que sair de Portugal seja algo estupidamente mau, podemos colocar nas nossas bocas um novo sabor a cultura. A que realmente sabe o desconhecido, o nosso paladar consegue apurar? Se misturar este ingrediente com as lágrimas de saudade da minha mãe certamente azedará, meu grande amigo. Mexer violentamente uma nova cultura com as saudades de casa mancha as nossas roupas, as calças e até mesmo os sapatos. Somos obrigados a ir tomar um novo duche e rezar para que a conta da água ou da na luz não suba para valores exagerados. A brisa gelada atravessa-nos o corpo por sermos obrigados a sair do nosso país, apesar de não te importares assim tanto já que sempre falaste mais inglês do que português. São as nossas raízes, isso vai fazer-te confusão aposto. Deixamos as nossas raízes para trás e encontramos a felicidade ao lado das pessoas que nos amam, conseguimos alcançar a sorte nesse campo. “Porque você é velho, velho, velho, dos tempos da União Nacional”, começo a rir-me das palavras da Drago para não começar a chorar. Estamos nessa situação, a de rir para não chorar compulsivamente. Ando a ler o livro do José Rodrigues dos Santos, ‘A Mão do Diabo’, e não consigo parar por ser tão realista. Não as fugas do Tomás Noronha ou dos amigos super fixes e valentes por Lisboa. A situação de crise financeira, essa sim. É real, entranhou-se na pele de grande parte dos portugueses.

Nós continuamos aqui, à espera de um brilho nas vidas de milhões de pessoas. Esperamos na nossa amizade, com um copo de vinho a acompanhar as refeições e as nossas conversas. Ainda vamos apanhar uma bebedeira e deixar de lado a realidade durante algumas horas.

17 janeiro, 2013

Rascunhos sobre 2013 (II)


Querida Catarina,

É bom começar qualquer carta desta forma, não é? Tinha mil e quinhentos nomes para te chamar, desde Amélia, Janete, fofinha, qualquer coisa do género que plantasse repugnância e quilos de mel para ver o sorriso no teu rosto. Tantos clichés que li em livros acabam por se refletir na vida real, por vezes coloco-me a pensar se os milhares de pessoas que vivem em Portugal não passam todas de clichés. Neste momento encontramo-nos numa situação precária, em que todos precisam de um emprego decente, com casas cada vez mais recheadas em que pais e filhos começam a não suportarem-se mais, uma taxa de suicídio a aumentar para satisfazer que nem uma cereja em cima do bolo. Ainda ontem vi ao teu lado uma taxa de jovens que ainda vivem com os pais e, à medida que conversavas comigo, só me lembrava do quão deturpado estava aquela taxa por se terem esquecido dos que vivem longe dos pais e são sustentados por eles. Grande maioria dos meus amigos encontra-se nesta situação, detesto dar nomes às pessoas nas descrições mais precárias e aflitivas como bem sabes, mais de metade dos teus amigos também se encontra assim apesar das exceções. São as exceções que me fazem conter um pouco mais de esperança, sabias? Trazem alguma luz ao meu coração quando todas as veias e músculos tendem a apodrecer graças a medidas de austeridade a assombrarem cada vez mais as paredes da minha casa, as paredes das minhas tias, dos meus vizinhos, dos meus conhecidos. As histórias de fantasmas, de pessoas endividadas começam a pesar na minha escrita, começo a pensar se não devia escrever um livro com várias personagens a desejarem pagar as dívidas, com um pouco de máfia por detrás a exigir-lhes o dinheiro e a colocarem-lhes um fim da linha, da vida. Talvez conseguisse fazer dessa ficção um autêntico best-seller pela familiaridade de tantas pessoas nessa situação.

E agora pergunto-te para onde vamos nós? O que vai ser de nós quando acabarmos os nossos mestrados? Ainda me resta mais de ano e meia mas e a ti? Falta uma tese. Faltam meses e nem vale a pena pensar na passagem dos minutos, a minha mãe ainda me vai dizendo para vivermos um minuto com energia, com todo o sangue que nos corre no peito e em todo o corpo – porque tal como disseste não passamos de garrafões de cinco litros de sangue, lembraste de quando disseste isso na cozinha da nossa casa? Parece que estou a ouvir os nossos risos ao lado do Jorge, o mexicano e amigo que gostava de ter todos os dias quando chegasse a casa. No fundo, somos uma família lá em casa. Neste momento com três pessoas, um dos nossos teve de partir e infelizmente permanecem aves selvagens no nosso ninho. Para onde vamos nós, pergunto-me novamente. Vamos para casa por enquanto, sentamo-nos no sofá, na nossa sala com uma parede roxa e uma caricatura horrenda para depois irmos jantar e quem sabe ver um filme. Mas os melhores momentos são as conversas, sobre sexo, sobre a vida, desabafos de emoções alimentadas ao longo dos nossos anos de existência. Até já escrevemos uma lista do que queremos fazer neste ano, eu, tu e o Jorge: ir ao cinema ver o Les Miserábles de preferência, ir ao restaurante sushi em Alvalade, fazer outras coisas que nem me lembro.

Temos felicidade, família e sorriso nas veias. Nem todos podem dizer o mesmo, amiga.


06 janeiro, 2013

Rascunhos sobre 2013 - I



Não vou esperar nada das pessoas, foi essa a minha promessa para este novo ano em que coloquei os pés. Sabe extraordinariamente bem distribuir um pouco de essência branca pelas pessoas – sempre tive esta imagem, da pureza com cor branca – e não exigir nada em troca. Se o ano morto, alojado no passado, trouxe sabedoria dividida em 365 dias decidi então não esperar nada do ser humano, apesar de ter uns maravilhosos exemplares a acompanhar o meu caminho, a ajudar na recolha das pedras que ficam pelo caminho. Esses seres humanos não vão construir um castelo, como o outro escreveu se não me engano, nem vão colocar essas pedras nos bolsos, na melhor das hipóteses acabam por vende-las para se aguentarem mais uns tempos neste país miserável, para não voarem para outras terras.

O meu país encontra-se envelhecido, na miséria pura e sem qualquer adereço. Antes da pobreza económica encontra-se na pobreza espiritual e cultural. As almas deixam-se deturpar pelas chamadas “novas tecnologias”, por cada porta que fica aberta graças a estas novas conversas, um novo ser humano é envenenado automaticamente. Não existe a definição de respeito no século XXI ou de boa educação. Qualquer desconhecido, amigo do nosso amigo, chega ao café e cumprimenta-o a ele sem dar atenção ao estranho que se encontra à sua frente. Aos nossos olhos castanhos, ao nosso casaco bege, ao nosso “olá, bom dia”. Umas horas depois recebo, e com certeza vocês também, uma notificação no smartphone com um pedido de amizade no Facebook e, minutos depois, lá descobriu a minha conta no Twitter e decide seguir o que me vou dizendo para a grande quantidade de pessoas com um perfil nesta rede. Ao mexer o café não libertou qualquer palavra, um incentivo para conversar, sobre qualquer livro ou as nuvens que circulavam na auto-estrada do céu. São estas as relações do nosso século, que se mantém cada vez mais impessoais, ausentes de qualquer essência, de uma alma com várias camadas de tecidos. Oh miserável povo, que não consegue oferecer um abraço, sabe apenas escrevê-lo. Maldita gente que tanto roubou e não tem mãos para agarrar nas rédeas de milhões de pessoas. Aflige-me neste momento os pequenos seres humanos, as novas descendências, que bebem aos treze ou catorze anos até desmaiarem no meio das ruas sem que os supostos amigos se preocupem. O frio, a geada cai durante a madrugada e o álcool paralisa todos os sentidos. Onde está a verdadeira adolescência precoce, com filmes para verem até de madrugada e casa dos colegas para dormirem? O conhecimento matou a inocência da adolescência, costuma dizer a minha mãe.

Não espero nada das pessoas, decidi prometer a mim mesmo e ao sexto dia cumpro solenemente. Ainda ontem tive uma conversa com a Catarina, em que ela me perguntava o que se passa com as pessoas? Gostava de lhe ter respondido: não sei, se queres que seja sincero. Há alguma coisa a tirá-las do sério, ou é a depressão ou é a felicidade extrema que as transforma em egoístas profissionais, em que os seus olhos não olham para as terras vizinhas. Neste momento deixei de trocar de mensagens com ela para ter o seu domingo descansado, a trabalhar para a faculdade, a ler ou a ver um filme. É melhor do que ter um bicharoco ao seu lado sempre a apitar ou a vibrar. O telefone é o novo animal doméstico do século XXI. E os animais vão sendo abandonados, nem os próprios jornais deixam escapar essa miséria.