
A solidão toma conta de todos os ossos do esqueleto que aguenta os meus órgãos, numa aniquilação lenta e fatalmente mordaz para fazer frente à vivacidade que se tenta manter ao longo de décadas de um ser vivo. Faltam relógios torturadores no pulso das pessoas que caminham na rua, sem possuirem qualquer tipo de preocupações ou pensamentos que podem trazer consequências (numa embalagem recheada de bónus para o coração, dono do mecanismo de circulação sanguínea). O veneno que provém de uma solidão ao chegar a casa infiltra-se nos olhos castanhos, possuídores de luz há duas décadas, no momento em que as pernas sentem a falta de dois seres humanos progenitores. Esses dois não estão de braços abertos para acolherem as tristezas, as valentias ou as vitórias de cabeça erguida, a sentirem a explosão de sentimentos e sensações nos músculos envelhecidos pela passagem temporal, sentida nos lábios, nos cantos dos olhos e nas mãos cansadas de tanto viver e trabalhar. Não conseguem elaborar essa acção de amor puro já que não se encontram fisicamente ao nosso lado, apenas a alguns quilómetros de distância, em que não são capazes de dar um sorriso pela história que contamos sobre determinada pessoa que decidiu esmagar a vida social em apenas cinco segundos ou outra, das tantas que circulam ao nosso lado, que tomou a decisão de pintar os cabelos com cor roxa e nem se apercebe da excêntricidade que veste nos pequenos pormenores. A solidão sopra para todas as entranhas quando os olhos se enchem de lágrimas, à medida que a percepção de um início entra na nossa racionalidade. Início que traz consigo desorientação, desarrumação, queda. Substântivos que não possuem qualquer tipo de prazeres em qualquer uma das letras que os compõem. Palavras que trazem ao elemento, ao qual dedico esta folha em branco, pesadelos capazes de derreter pele e carne apodrecida por passados intensos e acolhedores de prazeres animais.
Falta-me um lugar onde ir, bem lá no fundo. Ainda não consegui aperceber-me do sítio ao qual irei chamar casa, se algum dia irei chamar a esta zona recheada de milhares de pessoas como o meu lar, o lugar para onde quero voltar quando a minha vida estiver a terminar. (Isso será difícil de acontecer, tenho em pensamento que nunca vou chamar esta terra de minha terra. Apesar de não ter despertado para esta nova vida a partir daqui, nunca a vou encarar como tal, enganem-se). Quando tiver vontade de morrer não sei para onde vou caminhar, qual a carruagem que vou apanhar ou até mesmo esperar horas infinitas, nesta dimensão para a qual escolhi viver novamente (muito estupidamente). Quero apoiar e neste momento sinto que preciso de suportes, dos bem fortes e recheados de massa cinzenta. Quando passa à uma da manhã, desejo adormecer violentamente na cama, cheia de lençóis lavados que não são meus e esquecer o ambiente que tenta enrolar-me bem aos poucos. Numa ilusão de estabilidade que ainda não foi atingida (nas quarenta e oito horas que não passaram, desde a minha chegada no comboio das seis e meia). E estas palavras à qual dedico à solidão, estão recheadas de ti. Tu sabes, tu que acabaste de ler mais um pouco da minha alma.
- E a alma parou de lançar palavras, algo levou a sua atenção.