02 janeiro, 2012

"Nos meus sonhos, encontro uma felicidade em estado puro"


Esperava pela elevação da sua voz, à medida que o sangue escorria pelas minhas costas. Um sangue quente, acabado de retirar do corpo morto, deixado na rua mais civilizada de toda a cidade. A minha máscara preta escondia uma parte do rosto, os olhos de tons azulados. A essência da alma deturpada por pecados carnais, acumulados ao longo dos anos. 
Nos meus sonhos, encontro uma felicidade em estado puro para ser despejada sobre os meus cabelos. Na fantasia desenhada pela minha mente, esses mesmos cabelos adquirem uma cor ruiva ou, na pior das hipóteses, um vermelho berrante que tem o dom de chamar a atenção a qualquer um que passa nas ruas estreitas. A fome de atenção acaba por ser aliviada em poucos segundos, os olhares desaprovadores, os sorrisos diabólicos com segundas intenções e os dedos indicadores a apontar na minha direcção saciam toda a ausência de amor que vou acumulando ao longo das minhas existências. Nos meus sonhos, consigo dar uso ao meu poder interior, espalhar um pouco de brilhantes pela rua (num drama digno de um filme rasco da série B, se conseguir ter alguma classificação) enquanto ajeito os cabelos vermelhos, não deixo que a falta de qualidade seja um dos factores presentes nestas elevações do corpo. O pathos provocado pelo sonho é muito mais eficaz do que aquele que Eisenstein pretendia com o seu cinema, ao construir técnicas de montagens com emoções à mistura de dois lados. As montagens elaboradas durante o sono ou quando se caminha na rua em pleno dia conseguem elevar o espírito muito mais além, o ser humano experimenta deixar os músculos, ossos, boca para assistir a uma acção mais promissora, pormenorizada.
Fechei os olhos e senti a carne macia dos teus lábios, com o desejo de a rasgar e triturar com a minha própria boca. Existiria algum pedaço da tua alma no pedaço destruído? Misturado com as pequenas gotas de sangue? Deixo e continuo a beijar-te, transmitindo arrepios a todas as partes do corpo, chorando de melancolia numa mistura com o êxtase. Duas sensações supostamente incompatíveis que alimentam o meu futuro suicídio. A máscara continuou no meu rosto, nesse momento trágico.
Não tenho sentido de estilo, mas tenho bom gosto. O fatal estilo que se encontra em decadência nos dias que correm graças à falta de pensamento em todos os pequenos seres, nascidos nos finais da geração de noventa e restante. Uma falta de estética, unhas roídas que arranham tábuas destruídas, corrompidas por filosofias com carácter duvidoso. Tábuas que se alimentam de tons fabricados para as massas, com um composições simples e sem grandes complexidades, que comem livros sem histórias dignas salvação. Nos meus sonhos, existe uma pureza inexplicável em todas pessoas. Uma cor saliente na pele, um toque suave em todas as mãos, uma delicadeza ao caminhar. Todas as vozes elevam-se aos céus, como se esse lugar fosse o destino final de todas as almas. Quando se escuta um canto morre-se durante alguns minutos, não são necessárias facas para cortar corações. Assassinos não são chamados, cabeças não são deixadas em cima de uma pista de dança. Nos meus sonhos encontro a felicidade que ando à procura na realidade, a emotividade ausente em qualquer coração, a racionalidade em poucas quantidades ao contrário do que se verifica. Desenho um sorriso no rosto quando chove torrencialmente. Deixo os sonhos falarem mais alto, em quase todos os momentos.
Os meus próprios desejos interrompiam a minha circulação, não sabia em que tempo verbal falar. Os meus dedos agarraram o teu pescoço e a minha máscara caiu no chão sujo. Ambiciono retirar-te a vida, sugar os sentimentos que dançam no teu corpo. Mas a minha falta de coragem é superior, viajo demasiadas vezes e não sou capaz de atirar-me contra o comboio que ressoa a sua presença com a buzina.  Os meus desejos são dinamites, todos os dias sinto-os como se fossem pequenos doces.

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