06 junho, 2013

O vinho branco, tomado à janela do meu quarto


Há curiosidades que nascem nos meus pensamentos e não me conseguem largar. Acabam por tornar-se pequenos pesados, o meu subconsciente faz questão de trabalhar todas as noites para me assustar mais um pouco, e não escapam até os exteriorizar. Se mexer os meus lábios com esses pensamentos a mergulharem nos meus neurónios sou capaz de jurar que digo serenamente obsessão, escuridão. Duas palavras terminadas em ão que dançam comigo todas as noites, a olharem para o meu corpo adormecido na cama. Não há qualquer tipo de música tranquilizadora para os meus ouvidos e para a minha alma, alguma palavra que transpareça exatamente a minha intenção. Nem os meus olhos castanhos ganham um pouco mais de vivacidade quando estou a sorrir para esses pesadelos, para as curiosidades aprisionadas na minha cabeça. A minha voz teima em ganhar vida quando o silêncio e a escuridão se apoderam do meu quarto, chego mesmo a jurar que não há nenhuma presença nesse curto espaço e efetivamente não há, tenho as minhas paranoias a incendiarem-me a mente.

Tenho-te a ti nos meus pensamentos, à meia-noite que todos os relógios marcam no meu país e apercebo-me de que algumas senhoras, à procura de uma encarnação magnífica de Deus poderoso, já deixaram os sapatos em qualquer escada para ser encontrado. Quando o coração de um ser humano teima em bater violentamente, em remexer nos órgãos do corpo, o cérebro não para de desenhar o rosto de uma outra pessoa. Essas damas premeditam os passos, descalçam-se para o feitiço de um final feliz continuar. Houve um idiota qualquer que decidiu contar uma história e propagou-se, que nem a Bíblia, em que só as tolas acreditam e, a partir desse momento, só há espaço no corpo para a outra pessoa, o outro ser humano, o outro ser humano. O outro, o outro, o outro que se propaga como um vírus. Nem há oportunidade para o egoísmo asfixiar um pouco o sorriso da nossa personificação de amor, neste caso da minha personificação do que é amor. Não digo que o amor, definição e palavra com conceitos tão complexos, não esteja colocado nos meus animais (de estimação), na minha roupa, nos meus objetos, nas minhas mãos e até no meu cabelo mas o que seria de mim sem ter um espécime, ser humano e com semelhanças a tantos outros seres, a quem entregar o meu amor e conforto? Teria um egoísmo tão forte e elevado caso deixasse de pensar no outro ser humano, se não me deixasse levar pela minha tentativa de encontrar a personificação de amor puro?

Sonho com as minhas mãos a mudarem um rosto, uma troca dos lábios, a minha unha a passar por essa leve carne e a abrir feridas para o sangue ser livre, os meus dedos a entrarem nuns olhos claros, cheios de brilho e azuis. Obsessão, escuridão e um pouco de frustração. Só me posso libertar destas curiosidades, das trocas que posso fazer num corpo, através dos sonhos. Os cirurgiões podem fazer estas alterações mas só com a devida autorização da alma que comanda o corpo – mas nós comandamos mesmo o nosso corpo, pergunto-me a mim mesmo. Tenho esta imagem no fundo do meu telemóvel, o corpo mente, e enquanto não a compreender não vou retirá-la. Acontece com todas as minhas imagens que tenho no telefone, somos tão geração do século XXI que nem me dou ao trabalho de desenhar essas impressões e imagens. Basta clicar num website recheado de imagens para o nosso sonho aparecer, escarrapachado para vermos. Os seres humanos são mesmo iguais, interrogo-me mais uma vez.  Existia perfeição caso tivesse liberdade de mudar um nariz, qualquer tipo de cabelo e aborrecimento a correr-me nas veias. Neste momento apetece-me levar a minha personificação para algum lugar e deixar que faça de mim o que quiser. Consome os meus olhos, os meus lábios, os meus cabelos mas deixa-me a alma para continuar a viver. Ainda há um fio de esperança para os tolos, gosto de acreditar.

Já não soltava as minhas palavras há tanto tempo. Neste momento sinto uma ferida, a minha personagem escritor gosta de sofrer um pouco, alguns minutos por dia. A minha alma continua com um sorriso genuíno e bebe um pouco de vinha branco, acompanhada. Nunca gostei de encarar a vida como uma escuridão divina e o mais curioso é o facto de alguém, que não me conhece como pessoa, pensar que estou num sofrimento desgraçado.

Sem comentários: