23 setembro, 2011

Celebração de uma morte escusada,

A sensação de morte, passagem para outra existência aproxima-se cada vez mais dos meus sentidos meramente terrestres, apoderando-se da tranquilidade que enaltece os meus fios de cabelo escurecidos desde a hora em que fui colocado neste planeta e comendo grotescamente a sanidade que aos poucos vai esvoaçando do meu cérebro, aterrorizado pelos pontapés do futuro contra o presente. Quando os olhos paralisam a qualquer instante no meio de uma rua ou os braços partem-se, excitados em demasia pela quantidade de adrenalina fornecida em meros segundos devido ao telefone que se encontra activado na orelha de alguém (nunca serei ninguém, é esse o meu maior receio lá no fundo), existe uma presença espiritual que teima em roubar vivacidade aos meus pulmões, tal como cigarro que se encontra na minha boca. Volto a dar força ao vício, manchando o coração e as minhas promessas em largá-lo numa vala abandonada e recheada de urina. O meu desejo resume-se a queimar o rabo de prostitutas de almas com os cigarros que encontro num estabelecimento, para lhes garantir um bom destino (ao contrário de algumas pessoas que nem esse garantia encontrar na simples existência).

Por vezes, penso no que é morrer. A morte passa na minha mente umas mil e quinhentas vezes ao dia ou à noite, na ânsia de descobrir se os meus valores e preces são verdadeiros só para ficar com um sorriso no rosto. Tenho capacidade de rimar morte com desaparecimento mesmo se nenhumas das duas estiverem interligadas em questões morfológicas ou até mesmo semânticas e apenas no sentido. Ou então risco essas rimas e vou compondo com cobardia, a característica de tantos outros seres humanos que se perfumam com veneno na própria casa de banho e nunca se lembraram de fechar as janelas à medida que limpam o chão com lixívia (fazendo um poderoso favor a quem contém sonhos altos). Ou, como podem pensar se chegarem ao lado mais carnívoro da coisa, será que soa com apodrecimento de corpo? Morrer deve ser elevar a alma para um novo recomeço, retirar todas as experiências passadas, temperadas e saboreadas para iniciar a partir de um zero (número tão assustador e parente do vazio, activo nos corações alheios e quem sabe no de quem deixa estas palavras na folha em branco). Penso no que é morrer e tantas vezes me passam imagens de como será a minha vez. Algo chama-me das profundezas quando caminho na rua, com sacos de compras na mão e uma sapatilha a rasgar-se, cansada de executar quilómetros para o meu corpo não conter qualquer tipo de gordura, a voz do fundo do alcatrão ou da calçada anseia pela minha vivacidade como se a minha cabeça fosse o prémio mais elevado da roleta da sorte. Um estado de riqueza que preencheria algo demoníaco e inteligente (enganem-se aqueles que pensam que os seres diabólicos não contém inteligência desde os ossos brancos até ao último fio de cabelo). De todas as vezes em que faço um piquenique, existe um controlo impecável da minha parte para não me atirar do penhasco. A água do mar cheia de tons azuis acena-me, com intenções de acariciar os meus braços quando lhe tocar no fundo. O meu cabelo não aguenta os sopros gélidos e repentinos do vento e as sensações fatais temem em permanecer na alma. (demasiado trágico, diriam as pessoas da minha aldeia. Pobre coitadas, odeio-as tanto.)

Odeio as pessoas. Quero encontrar almas, é uma experiência muito mais gratificante. Ao longo das duas décadas de existência encontrei apenas uma e não quero despejar muitas palavras sobre isso porque tenho a leve sensação de que iria preencher inúmeras páginas sobre um tema que ninguém quer ouvir com atenção (ou será que estou enganado?). À medida que for morrendo interiormente é mais um ponto para a passagem, a seguida de cabeça erguida de uma forma natural e sem intenções de morte fabricada pelo simples desejo ou curiosidade própria. Mas a sensação anda aqui dentro, desde há uns dias e não consigo controlá-la. Morrer voluntariamente morde à palavra desistir, sempre mordeu com dentes brancos e bem fortes. Sou mais do que isso, os desejos e irracionalidades nunca me controlaram em todos estes anos.

Mas a sensação incendeia o meu coração. Salva-me, desconhecido.

6 comentários:

VansChumbinho disse...

"Tenho capacidade de rimar morte com desaparecimento mesmo se nenhumas das duas estiverem interligadas em questões morfológicas ou até mesmo semânticas e apenas no sentido." adorei este teu excerto. Concordo plenamente com ele.

Anónimo disse...

Será apenas a curiosidade que te provoca esse desejo? Ou o cansaço de vinte anos?

Anónimo disse...

Hum, é verdade: passei-te um selo.

David Pimenta disse...

Talvez seja o cansaço dos vinte anos. Mas maioritariamente trata-se de curiosidade e mau estado de espírito no momento em que se despeja as palavras.
Vou responder-te às perguntas do selo na postagem, sim?

E obrigado "VansChumbinho" pela tua marca no meu canto. Guardo-as na alma, acredita.

Anónimo disse...

Por mim, tudo bem. :)

Herético disse...

Morrer voluntariamente não é cobardia, é decidires quando e como é que queres que isto acabe. É acabares contigo, em vez de deixares que a ingrata da vida o faça quando e como lhe der na gana.
É alívio, do mau e especialmente do bom: os sonhos, os sorrisos e a felicidade pesam.