15 setembro, 2011

Os loucos colocam órgãos, sentimentos, desejos e ambições numa mala e partem de comboio

Falta-me um pouco de elegância de todas as vezes em que visto uma peça de roupa, essa característica nasce somente em alguns seres humanos e para a minha desgraça individual fugiu da minha existência na hora em que resolvi sair do útero feminino, de uma mulher que ainda nem conhecia. Neste segundo que passa, tenho os óculos ao fundo do nariz, um cabelo desgrenhado e pouco penteado pela preguiça que teima cada vez mais em ganhar força nos meus braços, nas pernas ou em qualquer parte do corpo e a elegância natural (nunca confundido com a imposta ou superficial, abundante em milhões de pessoas) decidiu sorrir-me, um tanto ou quanto travessa, da janela à luz do luar. Quando tento abrir cautelosamente o vidro que separa o ambiente frio do aconchegante de casa, a característica dança rapidamente com os pés, sem qualquer pensamento, e desaparece ao meu olhar. Sinto o frio a alcançar os meus ossos, abraçando-os, esmagando-os. Não tenho cigarros na mala para aquecer a alma, o fumo inalado e poluidor de todos os tecidos que utilizo foi deixado para trás graças à minha vontade. Uma das decisões que flutuam na minha mente, a mil e quinhentos quilómetros à hora. Nem com um cigarro nas mãos fico elegante, às dez e meia da manhã e há vinte anos atrás, qualquer divindade que decidiu colocar-me na realidade esqueceu-se de ajeitar o meu espírito. Um pouco de perfume nos pulmões ou uma limpeza nas costelas, quem sabe perto do coração.

No dia em que senti o oxigénio a entrar pela primeira vez, ninguém limpou as minhas cordas vocais para ter um futuro brilhante. Esqueceram-se de passar um pano, daqueles experts contra qualquer tipo de pó, para retirar toda a sujidade da voz. Quando alcanço o microfone, naqueles dias em que tenho oportunidade, preciso de colocar um dedo no ouvido para não atingir escalas absurdas e impensáveis de afinação. O auscultador, que possuo nos ouvidos, ecoa terrivelmente o meu canto e consigo assustar-me serenamente, longe de qualquer tipo de fatalidade na zona do coração. Ninguém me avisou dos dias de Verão que iria enfrentar perto dos dezanove anos, ao lado do amor da minha vida, com a pele a queimar brutalmente e os óculos de sol no rosto a conferirem algo perto de bom senso em questões de moda. À medida que o meu cabelo, cortado profissionalmente, esvoaça pela rua quando corro atrás de ti em direcção ao mar esqueço-me de dizer que atropelam-me centenas de sensações no peito. Tenho o coração com desejos violentos em quebrar a caixa torácica, num acto rebelde e sem qualquer lógica apegada. Os arrepios sobem-me pela espinha, levemente, o tão chamado “de mansinho” quando os meus dedos tocam apaixonadamente nos teus ombros e insistem em colocar a tua t-shirt fora do meu alcance visual, nunca estou longe de realizar as minhas fantasias mais recalcadas em plena luz do dia. Os meus óculos encontram-se no lugar correcto, numa tentativa de teste à minha naturalidade, nunca qualquer ser vivo me conseguiu vencer nessa categoria (e será uma categoria, uma vez que não se consegue testar naturalidade pura e dura?). Sinto os pés a tocarem nos pequenos grãos de areia, num acto amoroso à temperatura que se faz sentir na praia que decidiste levar-me, com a justificação da tua mente já te ter levado para este lugar ou quem sabe uma réstia de vida passada a querer manifestar-te devido à intensidade da hora, naquela altura. Os teus lábios contam-me o teu desejo em saber o que fomos, nesse tempo. A causa da separação para existir o reencontro desta vez. Conhecer a origem da intensidade e da intimidade que nos leva a sorrir, a partilhar todos os segundos no futuro que se aventura às nossas costas. Não é estranho deixar que o “nós” se apodere do meu discurso, a partir do momento em que te dou a mão. Não me falta a elegância de todas as vezes em que os meus lábios tocam os teus, tenho o respeito a inflamar-me as veias e o desejo a cativá-las.

O relógio toca, a partir do meu telemóvel (as tecnologias que decidiram nascer num mundo tão habituado às misérias do trabalho manual ou da falta de rapidez de comunicação), com a tarefa de relembrar-me do meu aniversário. O meu aniversário ocorre três vezes por ano, uma vez coincide com a realidade, outra com a fantasia e outra com a alma que habita no meu corpo, e de todas vezes que compro um bolo. Tantas vezes que as velas sentem apenas o vento dos meus pulmões, não consigo explicar a qualquer ser que a minha existência não se resume a apenas o meu corpo, a único corpo que tenho de momento. Seria provável sentir mãos alheias a prender e a levar-me para um hospício caso contasse esta condição, resta-me o caderno em segunda mão que comprei. A sensação de cheirar outra pessoa nas páginas refresca-me todos os sentidos, de tantas maneiras.

O primeiro minuto do novo ano desenrola-se ao teu lado, com a tua mão no meu peito e o brilho nos olhos a inundar as sensações que vivem no meu sorriso. Não há peça de roupa que esconda a minha felicidade, não existe qualquer camisola que traga a elegância natural que tanto desejo.

Ao final do dia, talvez coloque todas as minhas personagens dentro de uma mala e todas as mentiras que fantasio na cabeça. Ou talvez as mantenha, não vivo sem elas, sem as sentir no meu coração a alimentarem essência. No dia em que vi os meus primeiros raios solares, ninguém em avisou de que iria viver para sempre com várias personalidades. Doce loucura, alcança o êxtase que consigo viver se não for pedir muito. Os loucos colocam órgãos, sentimentos, desejos e ambições numa mala e partem de comboio. Nunca lhes falta elegância nessas horas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pelo que leio, tu és verdadeira, naturalmente elegante. A verdadeira elegância, aquela que me seduz, é intelectual e expressa-se pelas palavras... para uma pessoa conseguir expressar-se por palavras de forma tão delicada, bela e apaixonante, é necessário ser-se elegante. :)

David Pimenta disse...

No fundo, quero-o sempre. Elegante. E agradeço as tuas palavras. Aos poucos vou acreditando.