O copo quebrou e a minha mão ensaguentada foi
directamente até ao peito, quem sabe para segurar a sensação de morte
anunciada. O meu sorriso continuava na cara, apesar da dor apocalíptica que
dançava na caixa torácica e se espalhava por todo o esqueleto. Sinto o teu desejo a alguns metros de
distância, tão poucos que sinto a minha camisa a rasgar-se com a brisa
gelada que passará às duas da manhã, na rua que caminharei com os meus sapatos
sujos. Danificados pelo podre de uma superficialidade
encontrada na passadeira vermelha ou simplesmente pelo espelho danificado à
entrada de um museu, com todas as supersticiosidades a fazerem-se sentir
violentamente. O meu cérebro deseja uma chávena de chá misturada com leite
extremamente quente, com o intuito de danificar os lábios recentemente
suavizados por um batom sem cor, de uma transparência sentida por qualquer
fantasma preso nas veias dos seres humanos.
Devora-me
porque é essa a tua missão da noite. Na tua
condição de monstro, não deixarás escapar a oportunidade de matar uma alma
poderosa por volta das duas da manhã, à mesa de um bar (ou será de uma
discoteca?) com milhares de copos vazios e álcool a misturar-se com o sangue,
que percorre todos centímetros do meu corpo esvaziado de profundeza. Não
compreendes que não te faço um pedido ou que te ordeno qualquer tipo de
acção, à medida que os meus braços
descansam sobre a mesa. O meu cabelo é modificado por estados de espíritos, que
vão colorindo os fios num tom avermelhado e quem sabe adocicado pelas longas metamorfoses
das vivências registadas em qualquer mente alheia. O meu sorriso não desaparece
da cara por ter conhecimento da tua missão ou da tua condição nas próximas
horas. Desejo que sigas os teus instintos, personificadas logicamente em
vontades. Os animais seguem os instintos em todos os momentos, ao contrário
dos homens. Esses realizam as suas vontades e pecam pouco, não alimentam
qualquer tipo de instinto que lhes excite a meio da noite. Coloca as mãos
dentro das tuas calças se é essa a tua vontade ou, falando num tom mais formal
e nobre, se é essa a sua vontade. Coloque
os dentes para fora se deseja matar-me lentamente. Vou sentir os teus
dentes fortalecidos pelo leve cuidado dentro do meu peito, remexendo
constantemente para expulsar e danificar a carne.
O meu sorriso continua no rosto, apesar de
todas as perversidades e violências perfumadas por algum tipo de vilão que
resolveu sair da história de encantar. É uma pura questão de músculos, alguns
quilos de material disponível para os animais à solta nas ruas por culpa da
divindade, apreciadora de desafios e mudanças repentinas.
Poderosa
alma, permanece. Mesmo nos dias em que o meu corpo se for, permanece
tranquilamente por aqui. É um pedido, nunca uma ordem.
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