26 outubro, 2011

Quando as nuvens alcançaram o céu,


Quando as nuvens alcançaram o céu mais uma vez, depois de o relógio ter vibrado em cima da mesa-de-cabeceira, o céu ficou revestido com uma cor cinzenta. Carregado com pequenos objectos, detentores de um pseudo renascimento ao subirem novamente até à luz, trata-se de um elemento da natureza com sonoridade negativa, amante de cenários tonificados por pedaços de horror ou dramatismo, capazes de inundarem uma tela de cinema. Quando as nuvens alcançaram o céu, os meus olhos despertaram de um sono profundo, equivalente à sensação de infinito dentro de uma mente. As mãos tocaram levemente no peito, numa carícia para reactivar a sensação de normalidade na pulsação, com os dedos a desejarem retirar o coração de dentro do peito, da caixa aquecida por sentimentos e sensações ao longo dos anos. As unhas devidamente arranjadas na manicura mais próxima de casa arranhavam ao de leve a carne, nomeadora da continuidade de vitalidade em todos os restantes órgãos do corpo e revestida com um papel de ouro (apesar de os olhos humanos não serem capaz de visualizá-lo), arranharam a carne e feriram levemente. As feridas iniciais, provocadas pelos pequenos desastres individuais em tenra idade quando se brincava com a casa de bonecas ou com os carros a pilhas (se é que hoje em dia se brinca com estes objectos míseros), tinham pouco peso na balança da existência, das experiências que um ser humano carrega para o resto da vida. Vida, essa palavra tão pesada e leve para a simples conversa que se pode estabelecer com uma pessoa que atravessa a rua ou espera pelo metro às vinte e três horas da noite. As mãos continuavam a arranhar o coração sedento por crescimento intelectual e apaixonante, a acariciá-lo para atingir os primeiros orgasmos tímidos. Estes primeiros tipos de orgasmos, normais para qualquer cidadão, fazem parte da masturbação mental das crianças, não possuidoras de grandes conhecimentos humanos ou intelectuais. Infelizmente, quando transporto o meu relógio mental nas mãos pelas ruas que revestem a grande cidade, sinto pequenos espasmos de grandes cérebros à mínima tentativa de conversa aprofundada. Grandes cérebros em corpos velhos. A mão, com unhas correctamente arranjadas, não serve só para acariciar o coração ou para feri-lo. A masturbação mental, caracterizada pela pequenez de espírito, ainda afecta personalidades na metade da linhagem de vida. E os meus olhos despertam, acordam para o mais pequeno sinal de vida existente no quarto. O meu corpo repousa serenamente na cama, sem qualquer tipo de calor humano da noite passada.

Quando as nuvens alcançaram o céu, não me consigo lembrar do estado da minha existência. Não me reconheci nos minutos em que a alma regressava ao (meu) corpo. Os meus ossos eram percorridos por uma ressurreição, inversa à tão conhecida do Cristianismo. Existia uma descida espiritual para um corpo, o completo inverso da história contada a toda a Humanidade. As feridas iniciais, provocadas pelos simples arranhões na carne muscular, passavam para um tom mais profundo. A sonoridade das vivências aumentava quando o coro entrou no meu quarto, com um vento dotado de uma fúria encorajadora de maus futuros. Mãos alheias acariciaram as minhas pernas, emagrecidas pelo sal das minhas lágrimas, passando a língua húmida até ao maior ponto da sexualidade de qualquer homem ou mulher. As fraquezas refloresciam em todos os sentidos, as mãos largavam o coração para pressentir os elementos do coro que assaltava o meu quarto e o órgão vital ficava desprotegido. Quando qualquer tipo de pétala da solidão esvoaçou nas quatro paredes que me rodeavam, dentes consumiram veias recheadas de sangue puro e unhas afiadas e envernizadas no segundo, num tom vermelho vivo, cresciam a uma velocidade letal graças à vivacidade experimentada através do meu corpo. O meu coração parava, era poluído pela falta de virgindade (perdida há tanto tempo, como uma mão cortada num campo de girassóis). Os demónios do coro santificado pelos sete pecados consumiam o meu coração à medida que os meus olhos despertam e um orgasmo circulava pelos meus braços, pernas, sexo. O sangue inundava o chão branco do meu quarto, danificando a balança das minhas experiências.
Quando as nuvens alcançaram o céu, os meus sonhos desapareceram. O céu ficou revestido num tom cinzento e o meu cabelo ruivo brilhou à luz do sol, que desejava aparecer mesmo com todas as inseguranças. Reconheci-me no crescimento elaborado à velocidade da luz, as rugas acentuaram-se no meu rosto de vinte e poucos anos. Quando as nuvens alcançaram o céu, senti que o relógio ainda vibrava (e tocava) em cima da mesa-de-cabeceira. Faltava-me mais um dia, mal podia esperar por sentir um orgasmo, um remexer (ou moer) do coração. O relógio continuou a tocar, depois de dez minutos seguidos.

Sem comentários: