Quando as
nuvens alcançaram o céu mais uma vez, depois de
o relógio ter vibrado em cima da mesa-de-cabeceira, o céu ficou revestido com uma cor cinzenta. Carregado com
pequenos objectos, detentores de um pseudo
renascimento ao subirem novamente até à luz, trata-se de um elemento da
natureza com sonoridade negativa, amante de cenários tonificados por pedaços de
horror ou dramatismo, capazes de inundarem uma tela de cinema. Quando as nuvens
alcançaram o céu, os meus olhos despertaram de um sono profundo, equivalente à
sensação de infinito dentro de uma mente. As mãos tocaram levemente no peito,
numa carícia para reactivar a sensação de normalidade na pulsação, com os dedos
a desejarem retirar o coração de dentro do peito, da caixa aquecida por
sentimentos e sensações ao longo dos anos. As unhas devidamente arranjadas na
manicura mais próxima de casa arranhavam ao de leve a carne, nomeadora da
continuidade de vitalidade em todos os restantes órgãos do corpo e revestida
com um papel de ouro (apesar de os olhos humanos não serem capaz de
visualizá-lo), arranharam a carne e feriram levemente. As feridas iniciais,
provocadas pelos pequenos desastres individuais em tenra idade quando se
brincava com a casa de bonecas ou com os carros a pilhas (se é que hoje em dia
se brinca com estes objectos míseros), tinham pouco peso na balança da
existência, das experiências que um ser humano carrega para o resto da vida. Vida, essa palavra tão pesada e leve
para a simples conversa que se pode estabelecer com uma pessoa que atravessa a
rua ou espera pelo metro às vinte e três horas da noite. As mãos continuavam a
arranhar o coração sedento por crescimento intelectual e apaixonante, a
acariciá-lo para atingir os primeiros orgasmos tímidos. Estes primeiros tipos
de orgasmos, normais para qualquer cidadão, fazem parte da masturbação mental das crianças, não possuidoras de grandes
conhecimentos humanos ou intelectuais. Infelizmente, quando transporto o meu
relógio mental nas mãos pelas ruas que revestem a grande cidade, sinto pequenos
espasmos de grandes cérebros à mínima tentativa de conversa aprofundada.
Grandes cérebros em corpos velhos. A mão, com unhas correctamente arranjadas,
não serve só para acariciar o coração ou para feri-lo. A masturbação mental,
caracterizada pela pequenez de espírito, ainda afecta personalidades na metade
da linhagem de vida. E os meus olhos despertam, acordam para o mais pequeno
sinal de vida existente no quarto. O meu corpo repousa serenamente na cama, sem
qualquer tipo de calor humano da noite passada.
Quando as nuvens alcançaram o céu, não me
consigo lembrar do estado da minha existência. Não me reconheci nos minutos em que a alma regressava ao (meu) corpo.
Os meus ossos eram percorridos por uma ressurreição, inversa à tão conhecida do
Cristianismo. Existia uma descida espiritual para um corpo, o completo inverso
da história contada a toda a Humanidade. As feridas iniciais, provocadas pelos
simples arranhões na carne muscular, passavam para um tom mais profundo. A
sonoridade das vivências aumentava quando o coro entrou no meu quarto, com um
vento dotado de uma fúria encorajadora de maus futuros. Mãos alheias
acariciaram as minhas pernas, emagrecidas pelo sal das minhas lágrimas,
passando a língua húmida até ao maior ponto da sexualidade de qualquer homem ou
mulher. As fraquezas refloresciam em todos os sentidos, as mãos largavam o
coração para pressentir os elementos do coro que assaltava o meu quarto e o
órgão vital ficava desprotegido. Quando
qualquer tipo de pétala da solidão esvoaçou nas quatro paredes que me rodeavam,
dentes consumiram veias recheadas de sangue puro e unhas afiadas e
envernizadas no segundo, num tom vermelho vivo, cresciam a uma velocidade letal
graças à vivacidade experimentada através do meu corpo. O meu coração parava,
era poluído pela falta de virgindade (perdida há tanto tempo, como uma mão
cortada num campo de girassóis). Os demónios do coro santificado pelos sete
pecados consumiam o meu coração à medida que os meus olhos despertam e um orgasmo
circulava pelos meus braços, pernas, sexo. O sangue inundava o chão branco do
meu quarto, danificando a balança das minhas experiências.
Quando as
nuvens alcançaram o céu, os meus sonhos desapareceram. O céu ficou revestido num tom cinzento e o
meu cabelo ruivo brilhou à luz do sol, que desejava aparecer mesmo com todas as
inseguranças. Reconheci-me no crescimento elaborado à velocidade da luz, as
rugas acentuaram-se no meu rosto de vinte e poucos anos. Quando as nuvens
alcançaram o céu, senti que o relógio ainda vibrava (e tocava) em cima da
mesa-de-cabeceira. Faltava-me mais um dia, mal podia esperar por sentir um
orgasmo, um remexer (ou moer) do coração. O relógio continuou a tocar, depois
de dez minutos seguidos.
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