10 dezembro, 2011

As ondas não lavaram a minha alma,



Isto é uma continuação disto. Ela nunca abandonou o meu coração e decidi contar um pouco do depois. Nunca ninguém conta essa parte, pois não?


Não me deixaste morrer, meu Deus, quando as ondas me levaram e lavaram os pés (envelhecidos pelo súbito aceleramento dos acontecimentos). As ondas do mar levaram-me para um lugar distante, geograficamente longínquo para não Te encontrar na tua casa, já que a tua duração na condição de humano duraria alguns anos até o contrato elaborado com o Diabo terminar. A minha mente, ao flutuar na água recheada de sal, entregava-se aos desvairos humanos e básicos que consumiam a minha existência, puxavam o instinto de sobrevivência adormecido em qualquer ser humano que cumpra as suas tarefas diariamente, sem qualquer alteração que faça para o Mundo, o seu mundo monótono. A fome consumia os meus pulmões, apunhalava o meu coração e derretia a alma que teimava em permanecer naquele corpo. Um fogo abrasador, electrificado com arrepios brilhantes e tensos pelo meu pescoço, flamejava e destruía a única verdade que existia: o amor, ao relembrar-me das lágrimas do rosto de Deus e o orgulho que lhe acelerava o sangue nas veias à medida que construía o meu corpo, perfeitamente esculpido com dedicação. Um amor por quem passava delicadamente as mãos pelo meu rosto, enquanto o movimento dos pés no chão de madeira ecoava ritmicamente. O som da música de embalar circulava tremendamente, colocando o planeta num sossego fantasmagórico. O amor apaixonado pelo criador da obra-prima, da escultura de anos. As minhas lágrimas misturavam-se com o gelo do mar, que levou-me para longe. Os meus pés estavam lavados, os meus sapatos envernizados perderam-se no fundo do oceano, nas rochas incapazes de saborearem qualquer raio solar. Os cânticos das sereias ouviam-se, na interrogação pelo desconhecido par que naufragava.

O amor perdeu-se nos dias em que flutuei no vazio. Os meus ossos não davam sinais de vitalidade sempre que os tentava mexer, as minhas lágrimas eram consumidas pelas ondas malévolas e cheias de interesse por uma essência diferenciada por sentimentos humanos, os pulmões pouco ou nada funcionavam graças às baixas temperaturas. O meu cabelo ganhou uma tonalidade cinzenta, o relógio biológico desfazia-se pela ausência de rotina, com pés de avestruz que decidiram correr para longe de mim. O meu amor não sobrevive a um ataque existencial, de todas as vezes que me recordo do segundo em que as ondas me levaram. A força das tuas mãos continuam agrafadas às minhas costas, a tua ânsia em te livrares de mim, quando reparaste que não existia perfeição em mim, derreteu-me a respiração (o motivo da minha sobrevivência). Não soltaste promessas, não colocaste palavras na boca para me aconchegar, unicamente colocaste-me no Mundo para Te encontrares. Um Deus recheado de amor e perdão era a última imagem que desenharia de ti, depois de tudo o que vivi, observei e senti. Os seres humanos nunca foram capazes de elaborar uma imagem tua, nem possuo capacidades para tal feito glorioso (e isso polui-me a alma). Mas os meus olhos conseguiram ver-Te. No corpo humano, nos cabelos claros, brilhantes e no corpo perfeito que apelava por sexo. Um sexo caloroso, recheado de orgasmos pelo meio e uma violência divina. À medida que as ondas me levam, recordo-me dos teus lábios, sôfregos, sólidos e excitados. Carregados de força para possuírem todos os tecidos da minha alma, absolutamente guardada para feitos heróicos. Os feitos de Hércules estavam tão longe de mim e pensava que, no fundo, iria ter algo semelhante a ele, queria tê-lo conhecido. Não esperava pela força que exerceste sobre mim, quando cai para as ondas do mar me levarem. Elas levaram-me, deliciadas pelo cheiro a traição que ficou no ar. Levaram-me e arrastaram-me para um infinito sem definição, graças à falta de conhecimento de qualquer coisa que nunca foi alcançada por uma pessoa. Que nome reles, pessoa. Ou então coisa, porque era isso que eu era, sabem?


Pergunto-me se o amor ainda existe. A minha alma foi lavada de ressentimentos, mágoas, desilusões. Quando é que a força das tuas mãos me vai abandonar? Leva-me contigo, para o teu trono depois das nuvens. Como Zeus, que o Olimpo e todos os deuses que viviam com ele. Como te chamas para além de Deus? Oh, deixa-me morrer então. Oh, deixa. As ondas lavaram-me os pés mas não me lavaram a alma, como seria de esperar.


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