26 janeiro, 2012

Um copo de vinho,



Quando foi o último dia em que tive o mundo nas mãos? 
Embrulhado com um simples cobertor na mansão de quatro andares contínuo à espera de todos os fantasmas, recheados de promessas elaboradas em vidas passadas. Não há espaço para colocar qualquer aquecedor ou mesmo para acender as lareiras, não existe dinheiro que pague as extravagantes contas de electricidade. Os donos da casa encontram-se presos nas mais de quatro paredes (afinal, uma mansão de verdade contém dezenas de paredes e por norma alimenta-se uma história baseada na ausência de amor), as suas mãos geladas pela constante passagem do relógio biológico tocam serenamente nos meus ombros. Os meus ombros equilibrados por pensamentos com natureza filosófica e existência superficial, conotada por simples abrilhantadores, obras-primas em forma de roupas com qualidade e sem inteligência nas questões de conhecimento. São dois ombros, esta palavra que continua a ressoar nos meus ouvidos e a massajar os meus olhos castanhos, são dois que sustentam os meus sonhos, os meus desejos de suicídio e de gula, as ambições que soletram o caminho que devo tomar para encontrar a felicidade. Encontro-me embrulhado com um simples cobertor branco, para tentar disfarçar o pecado nos meus pensamentos. O frio continua a atravessar a minha pele, enrola o estômago e fere os lábios, prontos a saborear uma desconhecida ou um desconhecido. Recheado de novas sensações, vou sonhando com a chegada de novas formas de sexualidade. O amor na forma mais pura e personificado num ser humano, esse já o encontrei. E vou esperar pela felicidade ao lado dele, confiar e dar as mãos no presente (o único tempo mais próximo da realidade). As mãos fantasmagóricas dos donos da casa continuam a tocar nos pedaços de músculo, na tentativa de alcançarem os ossos. Ossos – a parte do corpo mais pesada, a agonia pormenorizada de um passado repleto de desejos anorécticos em futuro e sonhos – brancos, a cor da pureza. Quando foi o último dia em que tive o mundo nas minhas mãos?
Nunca o deixei de ter. Nos minutos em que atinjo um orgasmo, na hora em que acabo de pintar os meus cabelos (faço-o constante), nos dias em que consigo esquecer a minha loucura e distinguir a realidade da fantasia criada pelo meu cérebro. Quando seguro um copo de vinho tinto nas minhas mãos, com o olhar perverso a espiar uma orgia na casa vizinha. Dois homens com uma rapariga no meio, a aproveitar a transparência de homossexualidade, todas as qualidades destes seres do futuro (uma vez que uma parte dos seres humanos não consegue aceitar esta realidade perfeitamente comum). As mãos da jovem passam pelos cabelos dos jovens que encontram-se nos lábios um do outro, que puxam a carne feminina para eles, retirando a pouca pureza que poderia existir naquele ser. Alinhar numa orgia não é sinal de pureza, não é sinal de depravação, é sinal de satisfação. Carnal. Existencial. A mansão que me acolhe continua gelada e o meu coração entra nas chamas, enrola-se no desejo excitante de me juntar aquela orgia. O vinho tinto sabe-me a chocolate ao sentir a excitação no meu sexo (e chamo-lhe isto para ser elegante, como qualquer pessoa deve ser na hora em que está a escrever, a despejar sentimentos, o que quiserem chamar-lhe). Tenho o mundo nas mãos, não deixo de o ter. Tento enganar-me por pensar o contrário.
Escolho abandonar a mansão e dirigir-me à casa mais pobre em mobílias, em espaço e em lembranças mas rica em desejo, amor, sexo mesmo que momentâneo. Deixo o copo em cima da bancada da cozinha e quando bato à porta da casa, não há interrupção. Levam-me e os meus lábios entram naquelas sensações, acompanhando os alheios, as mãos tocam-me furiosamente. Quando é que deixei de ter o mundo nas minhas mãos? Deixei alguma vez de ter?

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