Está na hora de te escrever para te abrir a
porta dos meus sentimentos, do meu coração e para te guardar nas minhas
memórias. Os meus dedos acarinham pequenos choques por ser capaz de oferecer um
pouco de energia ao teu fantasma, no momento em que soletro o teu nome na
escuridão do meu quarto e à medida que despejo o passado sobre as carpetes
verdes. Esses pequenos choques atormentam a minha lógica, a velocidade com que
escrevo e o meu raciocínio para sussurrar o que vai na alma. Quando se fala
baixinho, todas as outras pessoas falam igualmente baixo por saberem que se
trata de um assunto sério, recheado de insegurança, um assunto inundado em
lágrimas e veneno. O teu fantasma está presente ao lado da minha alma, por
teres sido mais do que um dia ou uma noite como muitos seres humanos sem
qualquer pureza costuma rotular. Nas caçadas noturnas, as minhas elegantes,
humanas, todas as que acontecem dentro de um recinto, ao invés de armas, cordas
e ferros são colocados quilos de maquilhagem, roupas acabadas de comprar,
cremes nas mãos e todos os fios de cabelos são alinhados. Nesta descrição da
procura desenfreada por um único beijo que console os músculos, a tesão,
suguei-te um pouco a alma à medida que nos beijávamos e pedia-te para “ficares
comigo” quando a minha existência precisava unicamente de um ser humano perto.
Apesar de todos os outros olhos experimentarem-te e mesmo com o rótulo de uma
aventura passageira para aumentar o ego, foste mais, és mais, serás mais daqui
a uns anos. Escrevo-te para te libertar de mim, para voares violentamente por
todos os céus e conseguires proclamar-te como o conquistador de novas terras,
novos desejos e sonhos. Pelo teu telefone conseguiste escrever que te
encontravas bem, que não precisavas de mim, a tua ira inflamou-me os cabelos,
os meus olhos castanhos e as minhas unhas roídas. Sempre ouvi dizer que
qualquer alma curada ou tranquila não sente necessidade de se alimentar de um
dos sete pecados mortais, a ira. E quem sabe se não foi buscar um pouco de
inveja, questiono-me frequentemente sobre isso.
Num
sofrimento pessoal, individual, tinha a alma quebrada por não organizar
sentimentos em relação à minha alma gémea. Por saber que a encontrei e não
conseguir aceitar que precisava de esperar, de beijar, de respirar um pouco de vida,
de ferir as minhas asas antes de deixar de voar. Quando encontrei o amor da
minha vida, nem sequer tinha voado por terrenos proibidos, aqueles em que
qualquer arma está apontada às duas asas e a morte é iminente. A minha alma
derretia-se nos minutos em que me encontraste. Ardia e permanecia numa cova,
pronta para a Morte a enterrar, para fechar poucos capítulos numa sala de
arquivo. Quando te encontrei, estava desmaiado pelo álcool que circulava pelas
veias. Desmaiado ou adormecido, como quiseres chamar. À medida que libertava as
minhas mágoas por todos os canos, ao deixar que água escorresse pelo meu rosto
para acordar da minha melancolia, senti as tuas mãos sobre os meus cabelos numa
tentativa de aconchego. Se as horas que passei fossem transferidas para o
presente talvez te tivesse dado um tiro fatal no peito para me deixares
sozinho, sem perturbações. Que todas as cobras do Mundo rastejem pelo chão,
penso que foi dessa forma que Deus condenou este ser vivo pela maldade
provocada a Eva, doce e inocente que descobriu a nudez depois de trincar o
fruto proibido. Esse fruto, equivalente a uma maçã, trincado também pela Branca
de Neve nos contos de fadas. Sejas a cobra ou o fruto apetecido, a minha
garganta asfixiou, as minhas cordas vocais partiram-se no momento em que te
pedi para voares por o meu coração estar vazio, por não existir absolutamente
nada para oferecer.
Nas
tuas lições de voo não te esqueceste da derradeira aula: aplicações da palavra sempre quando alguém pede para sairmos
da sua vida. Nesses minutos as tuas penas brilharam à luz do Sol, escrevo-te agora
para dar um ponto final. Não desejo parágrafos, pontos finais são mais
atraentes quando não existe nem uma gota de compaixão. No inferno aguardam-me
todas as cobras venenosas, prontas para enterrar os dentes na minha carne.
Sussurro baixinho para todos me levarem a sério, para me levar a sério.
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