26 dezembro, 2012

Os quilómetros que me separam de ti




Separam-nos centenas e centenas de quilómetros, daqueles que podem ser atravessados a barco, e continuamos a incendiar o peito, o meu e o teu. Não ouço fado ao pé de ti, por teres um ouvido mais apurado para a língua inglesa e não apreciares o canto dos portugueses, mas gostava de te mostrar as maravilhas da nossa língua para conseguires chegar um ponto mais ao meu coração – esse, fechado numa arca na tua casa de Lisboa. Se ouvisses o fado, as composições, as guitarras a ecoarem em Martim Moniz, conseguirias colocar as unhas sem nenhuma imperfeição nos músculos do meu coração. Digo-te para não tirares essa música, quando me preparava para o concerto da Carminho no Coliseu dos Recreios, e ouves um pouco a voz dos meus tormentos – esses, nascidos pelos meus familiares que teimam em continuar a levantar as saias da minha mãe ou os livros secretos dos meus pais. Um tormento que não vai nascer de ti, colocas as sementes da nossa união no chão de madeira da minha casa com esperança de ver as flores a nascer mal acorde, ao abrir a janela da sala. Separam-nos centenas e centenas de quilómetros, como escrevi anteriormente, e continuo a sentir a tua presença nas palmas da minha mão, à espera de ter uma caneta e algumas resmas de papel para escrever em homenagem ao teu corpo, aos teus olhos castanhos e ao teu cabelo comprido e brilhante.
               
Deixo a água, proveniente do chuveiro cá de casa, correr pela banheira e não consigo relaxar um pouco por saber que não vou tocar nos recantos do teu corpo, as minhas mãos continuam a ver-se nesta solidão, ao purificar o meu corpo na água límpida e quente cá em casa. Posso voar para te encontrar e anseio por todas as manhãs, dignas de serem esculpidas pelas marcas que deixei nas tuas costas com os meus dentes. Os meus dentes brancos afundaram-se na tua pele branca e a minha língua saboreou um pouco dos teus sentimentos, colocados nas células, libertados com o vapor na divisão apertada da casa. Ao passar os meus lábios pelas tuas costas, tinha prazer ao discutir contigo os discos da Rihanna ou da Lady Gaga, essas divas do mainstream, acessível a todos, e gostava de te fazer ver o que pode ser considerado talento e entretenimento, a principal diferença a afligir-me. As duas entreterem, a distrair a população das grandes conversas sobre a crise, das eleições, dos grandes filmes do ano ou das obras de arte e uma delas a compor e a cantar verdadeiramente do coração. Dizia-te isso e não concordas no que tem mais valor, aprecias fugazmente quem te consegue distrair dos estudos, o que costumo de chamar obras de arte superficiais. Enquanto isso, as minhas mãos continuavam a desenhar arestas, pontas por todo o teu corpo esculpido. Quero voar a ti neste momento, todos os meus desejos recaem nesse ponto. Arroios continua no mesmo lugar e é quase como o nosso ponto de encontro, a nossa casa. Tenho saudades da grande cidade, dos carros, dos meus casacos compridos, de andar com a mochila as costas e das leituras até horas tardias na biblioteca. Queria alimentar-me do teu ar para não gastar dinheiro – o desejo de todos os apaixonados e pobres de finanças.

Quero percorrer o rio Mondego contigo, tenho de trazer-te cá acima. Voa para mim, deixa-os por umas horas e anda cá. Continuamos a conversa sobre os livros que ando a ler. A minha fixação pela obra da Inês Pedrosa delicia-me, nunca conheci tão boa escritora de romances em Portugal. Têm todos a mania de colocar a Margarida Rebelo Pinto num pedestal e não consigo levá-la a sério, como escritora ou sequer como artista, como já te tinha dito. Voltarias a dizer que entretém as pessoas, apesar de nunca teres pegado num livro dela – felizes são aqueles que vivem na ignorância, penso acerca disso quando me dizes isso. Vamos para a margem do rio, percorremos a pé, corremos para exercitar o corpo e beijamo-nos no final. Não sei quem quero enganar, ao imaginar-nos nas vezes em que tomámos banho não conseguia deixar de pensar nas alturas em que fizemos amor. Esse amor cheio de loucuras, posições mais atrevidas para os conservadores. Os meus lábios a passarem pelos teus quando sentia o teu peito debaixo do meu, a respirar a minha existência. Separam-nos centenas de quilómetros neste momento e só queria tocar nos teus olhos castanhos. Não é preciso dizer “Fica. Fica cá a dormir em casa”, sabes os meus desejos mais profundos.

Escrevo-te todos os dias. Quando estou a construir um conto, um simples trabalho da faculdade, ao folhear um novo livro. Sentes o cheiro à tinta da caneta mesmo com todos os quilómetros a separarem-me de ti. Se todas as paixões não usassem o conteúdo geográfico para quebrar laços, existiria muito mais amor nos dias cinzentos, recheados de chuva. Escrevo-te amanhã, sei que vais estar à minha espera.

2 comentários:

Mel disse...

Gosto tanto dos teus textos :)

David Pimenta disse...

Muito obrigado, Mel!
Um beijinho!