12 junho, 2013

Celebração do corpo


Nunca olho para o meu corpo. Os meus olhos castanhos olham “em diagonal” para os meus braços finos, para as unhas e dedos mais do que roídos, para as minhas calças skinny (em que cabe, por vezes, outras pernas da grossura das minhas) e para os meus pés demasiadamente pequenos para o género masculino – uma outra travessura colocada na minha cabeça e na de todos os portugueses, os valores e princípios colocados para o sexo masculino e feminino: exige-se a um corpo determinada forma e contorno para estar nos padrões da beleza. São esses padrões, valores, princípios que constroem uma visão. Complicam a tarefa que dou aos meus olhos castanhos em esvaziarem-se de qualquer preconceito e receio. É tão complicado livrarmo-nos desses estereótipos, fortes quando a diferença ganha poder no meu quotidiano, com regras de conduta podres e cinzentas para o meu estado de espírito. Tal como existem padrões para os outros, já que o outro está sempre presente para quem odeia ver-se como um individual, existe um formado e alimentado na minha mente. Desenho tantos universos alternativos e não consigo livrar-me das regras básicas deste mundo, ou uma mulher tem de obrigatoriamente casar-se com um senhor para ter filhos ou uma menina não se apaixona naturalmente por outra menina. Talvez seja um pecado olhar para as histórias dessa forma, os efeitos do que me foi incutido desde pequeno acaba sempre por ter um efeito secundário por mais mínimo que seja. 

A minha mãe olha para mim e diz que não perdia nada se tivesse mais uns quilos, se as minhas costas fossem mais largas, se tivesse mais cintura, se os meus pés não fossem tão magros quando calço um sapato e acaba por ficar-me extremamente largo. Mas, minha querida mãe e todas as outras mães no universo, porque é que olhas para mim e não afirmas em primeiro lugar as minhas qualidades? Consigo chegar onde não consegues, quando tentas colocar-te numa escada para agarres algum objeto lá em casa, o meu cabelo é forte e não anda sempre pelo chão tal como o teu. Existe uma proteção por detrás de todas as declarações dos defeitos que vais libertando dos teus lábios, não seria um regozijo para ti se um ser humano não apontasse qualquer defeito no meu corpo? Os humanos constroem a sua humanidade, fogem da divindade ao apontar defeitos em qualquer espécime idêntico. Funciona desta forma e nem nos próximos cinquenta anos vai mudar, quando meu corpo estiver fraco, envelhecido e os meus cabelos cinzentos começarem a cair. Não aprecio olhar para o meu corpo quando o tenho de fazer e celebrar. A masturbação é um pecado, bem sabemos, mas para quê atingir o prazer individual se nem se quer olhamos para os nossos corpos em condições? Há uns tempos, uma rapariga disse-me que nunca tinha atingido o prazer sozinha. Mas então, minha querida, como é que o vais conduzir até aos recantos do teu corpo, recheado de surpresas inimagináveis? Talvez ainda te vá ouvir na minha casa a abrir a boca para soltares gemidos profundos, quando há incentivos não há problema em liberta o desejo carnal. Não troco beijos com desconhecidos por motivo nenhum, é um teste. Até que ponto vai o desejo presente no coração, nas hormonas, nos pulmões e na língua, imagino na minha cabeça. Andam todos tão recheados de desejo que escondem os livros eróticos em capas, com esse propósito, para não serem recriminados.

Sexo, sexo, sexo. Deus deu-nos isso. Qual é a divindade que oferece instrumentos só com o objetivo de recriminar e colocar nas portas do Inferno? Tenho paz em todas as igrejas a que vou, não são assim tantas ao longo de um ano, conforto quando me sento num dos bancos e um pouco de frio por não deixarem entrar os raios de Sol. Nesses momentos também não olho para o meu peito, coloco a mão e sinto um poder extremo a querer fugir. Talvez seja isso que falta um pouco a todos, sentir o poder dentro do nosso corpo. A mim nunca me faltou coragem para tal ato, só não gosto dos olhares alheios e críticos à minha volta. Posso não olhar para o meu corpo mas dou-lhe tanto amor.

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