17 dezembro, 2014

A tua língua tende a sacrificar-me a sanidade


Os frutos vermelhos, amadurecidos pela passagem do tempo, não permanecem muitos dias na base de vidro da tua sala de estar. Uma cozinha amarelada pelo fumo dos cigarros soltos, em reuniões intermináveis e conversas infinitas. Paredes descascadas, em que pedaços de tinta caem em noites de tempestade à medida que os teus dois gatos negros percorrem cada canto, à procura de um novo tesouro ou de um novo recanto para adormecerem. Restam as maçãs verdes, numa base de inocência firme e longe de enfrentarem a brisa diária, carregada de injúrias e embates, que lhes leva a cor. Mas as tuas mãos lançam-se a cada maçã que tende a amadurecer, para levares aos teus lábios e não devorares em demorados minutos. São minutos de transpiração, de sofreguidão capaz de travar as minhas acções momentâneas. 

Se me percorresses a barriga com a carne dos teus lábios ou as minhas mãos com a tua respiração, era capaz de comandar um exército. Ao contrário da rigidez, cobria-os de álcool para olhá-los sem roupa. Despidos de sentimentos ou de preconceitos, a ver-lhes o sexo inchado e repleto de desejo por sexo. Não pelo meu corpo mas pelo meu objeto sexual, conservado até agora dos maus olhados, um desejo animal e carnívoro. A tua língua tende a sacrificar-me a sanidade. O teu peito a atrasar-me a respiração pelos poucos quilómetros que nos separam. Escorrego dos lençóis e entrego-me a uma santidade, desconhecida à minha mente. Fecho os olhos para desapareceres.

Mas os teus dentes trituram a pele da maçã vermelha, saboreiam-na vagamente. Os teus dedos arrastam-se pela base de vidro em que todas as maçãs permanecem. A porta é fechada e a escuridão envolve a cozinha amarelada. Falta oxigénio.

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