29 setembro, 2011

a ode à solidão (dos inícios),

A solidão toma conta de todos os ossos do esqueleto que aguenta os meus órgãos, numa aniquilação lenta e fatalmente mordaz para fazer frente à vivacidade que se tenta manter ao longo de décadas de um ser vivo. Faltam relógios torturadores no pulso das pessoas que caminham na rua, sem possuirem qualquer tipo de preocupações ou pensamentos que podem trazer consequências (numa embalagem recheada de bónus para o coração, dono do mecanismo de circulação sanguínea). O veneno que provém de uma solidão ao chegar a casa infiltra-se nos olhos castanhos, possuídores de luz há duas décadas, no momento em que as pernas sentem a falta de dois seres humanos progenitores. Esses dois não estão de braços abertos para acolherem as tristezas, as valentias ou as vitórias de cabeça erguida, a sentirem a explosão de sentimentos e sensações nos músculos envelhecidos pela passagem temporal, sentida nos lábios, nos cantos dos olhos e nas mãos cansadas de tanto viver e trabalhar. Não conseguem elaborar essa acção de amor puro já que não se encontram fisicamente ao nosso lado, apenas a alguns quilómetros de distância, em que não são capazes de dar um sorriso pela história que contamos sobre determinada pessoa que decidiu esmagar a vida social em apenas cinco segundos ou outra, das tantas que circulam ao nosso lado, que tomou a decisão de pintar os cabelos com cor roxa e nem se apercebe da excêntricidade que veste nos pequenos pormenores. A solidão sopra para todas as entranhas quando os olhos se enchem de lágrimas, à medida que a percepção de um início entra na nossa racionalidade. Início que traz consigo desorientação, desarrumação, queda. Substântivos que não possuem qualquer tipo de prazeres em qualquer uma das letras que os compõem. Palavras que trazem ao elemento, ao qual dedico esta folha em branco, pesadelos capazes de derreter pele e carne apodrecida por passados intensos e acolhedores de prazeres animais.

Falta-me um lugar onde ir, bem lá no fundo. Ainda não consegui aperceber-me do sítio ao qual irei chamar casa, se algum dia irei chamar a esta zona recheada de milhares de pessoas como o meu lar, o lugar para onde quero voltar quando a minha vida estiver a terminar. (Isso será difícil de acontecer, tenho em pensamento que nunca vou chamar esta terra de minha terra. Apesar de não ter despertado para esta nova vida a partir daqui, nunca a vou encarar como tal, enganem-se). Quando tiver vontade de morrer não sei para onde vou caminhar, qual a carruagem que vou apanhar ou até mesmo esperar horas infinitas, nesta dimensão para a qual escolhi viver novamente (muito estupidamente). Quero apoiar e neste momento sinto que preciso de suportes, dos bem fortes e recheados de massa cinzenta. Quando passa à uma da manhã, desejo adormecer violentamente na cama, cheia de lençóis lavados que não são meus e esquecer o ambiente que tenta enrolar-me bem aos poucos. Numa ilusão de estabilidade que ainda não foi atingida (nas quarenta e oito horas que não passaram, desde a minha chegada no comboio das seis e meia). E estas palavras à qual dedico à solidão, estão recheadas de ti. Tu sabes, tu que acabaste de ler mais um pouco da minha alma.

- E a alma parou de lançar palavras, algo levou a sua atenção.

9 comentários:

The Duchess disse...

Olá David!

Passei por aqui e depois de ter lido o que escreveste neste post gostava de te dizer que escreves maravilhosamente bem!

É giro (ou não) como consigo reconhecer o sentimento de solidão de que falas. Há três anos atrás também me senti assim. Sei que essa solidão só pode ser resolvida por ti (apesar de se calhar achares que depende dos outros. Queria no fundo apenas dar-te os parabéns pelo teu talento e mostrar de alguma forma que eu - que já me senti terrivelmente só dentro de uma sala cheia de gente - hoje ultrapassei a solidão e ás vezes até anseio por ela.

Como ainda não nos conhecemos muito bem espero não estar a intrometer-me.

Beijo*
Sofia Mendes

Anónimo disse...

O nosso lar é onde está o nosso coração. Não é isso que dizem?
Mas as lágrimas entorpecem a visão e o cansaço mina os movimentos. Talvez lutar contra o vazio, resida não em preenchê-lo, mas em aceitá-lo como uma tela em branco.
Mas talvez estas sejam só palavras.

Nem preciso de te dizer o quanto gostei deste registo e já sabes qual é a minha opinião sobre a tua pessoa!

*

Anónimo disse...

É impressionante... sempre que aqui venho não deixo de me admirar, quer com tal poder de expressão, quer com tal profundidade que conferes ao que escreves. Tens um estilo, por um lado, que faz transparecer; mas, por outro lado, intrigante: porque se, por um lado, expressas muito descritivamente o que sentes; por outro lado, obrigas o leitor a refletir e a ler com olhos muito atentos, fazendo-o pensar. Ou seja, por um lado, mostras-lhe que há um caminho, mas, por outro, não lhe facilitas a caminhada.
Impressionante, David. Apaixonantemente impressionante.

David Pimenta disse...

Nem imaginas a felicidade que me trazes ao dizer essas palavras, acredita. Porque para quem escrever ler as emoções dos "leitores" (como se eu fosse um grande escritor, ui) é a melhor coisa do Mundo.

Anónimo disse...

Como se fosses um grande escritor?! Acho que não tens noção do quão grande és, enquanto escritor. És um dos melhores que já li, e olha que eu tenho um espírito bastante crítico, sendo difícil surpreender-me.

David Pimenta disse...

Por acaso não tenho mesmo a noção do que passo para as outras pessoas, sinceramente. Escrevo, tenho os meus sentimentos e depois dou aos outros nem que seja para satisfazerem sozinhos. Não sei explicar. Ando num estado em que acho que não consigo ver absolutamente nada do que consigo fazer. É difícil de explicar. Mas agradeço-te. Se há coisa que faço é agradecer.

Anónimo disse...

Bem vejo... tenta abstrair-te de ti próprio e ler os teus textos como se não fossem teus... de uma forma razoavelmente imparcial. Não acredito que não os aches especiais, mesmo que não relates coisas imaginadas. A minha admiração pela tua escrita prende-se mais à forma do que ao conteúdo do que escreves... ainda que também o conteúdo me transmita a impressão de seres uma pessoa interessante, se me permites que to disse.

David Pimenta disse...

É claro que te permito que mo digas, sinceramente. O conteúdo, tento sempre torná-lo mais leve do que realmente estou a sentir ou a experimentar. Acho que um leitor deve ler algo que não o canse, no sentido de o deitar ainda mais para baixo. Tenho como objectivo sentir-me melhor depois de despejar palavras, de me sentir melhor e depois deixar que os outros interpretem. Grande parte do que escrevo não é publicado aqui. Guardo-o para mim. Talvez por respeito aos meus sentimentos.
Enfim, voltando ao que disseste. Eu gosto dos meus textos, gosto mesmo deles. São pessoais e consigo dizer-te como me sentia quando escrevi cada um deles. Mas são meras tentativas de conseguir ser um escritor a sério. É assim que me vejo, sinceramente. Que vejo isto tudo, entendes?

Anónimo disse...

Entendo. :) Eu acho, no entanto, que ser um escritor "a sério" passa por muitas tentativas. A literatura aprimora-se através da sua prática... e são todas as tuas tentativas que fizeram de ti o escritor que és hoje. É por isso que, por mais que as antigas não correspondam ao que és agora e ao que pretendes ser futuramente, não acho que devas esconder ou apagar o que ficou atrás.