17 novembro, 2011

O canto às desistências temporárias: o início,


Não senti a minha pele no momento em que os olhos tentaram registar e gravar algum tipo de vivacidade no meu quarto, as minhas mãos encontravam-se longe do peito, dos pés, dos olhos ou de qualquer outra zona do meu corpo, descuidado por anos de caça. Na tentativa de guardar a mais pura das naturezas e raízes do amor, os meus pulmões começaram a morrer e a desfazer-se dentro do corpo para dar origem a uma doença crónica, sem qualquer tipo de hipótese de tratamento pela medicina tradicional ou quem sabe moderna (já que todas as ciências estão em constante mudança). Uma doença criada com uma obsessão que dava impulsos eléctricos a todos os meus músculos. Quando tinha desejos relacionados com morte ganhava mais vida e rodopiava nesta existência viciosa, sem qualquer hipóteses de sobreviver.
No dia em que comecei a escrever esta simples memória não me lembro de sentir a minha pele nos segundos iniciais, fugindo a um ritual tão gravado nos meus hábitos elaborados com o passar dos anos. Devia ter algum tipo de alerta biológico, uma simples paragem de segundos da circulação sanguínea ou a falta de batimentos no coração, que me levassem a percepção deste acto, esta ausência de rotina logo pela manhã – tão valorizados e tão glorificados são os hábitos que construi à volta da minha existência, como se fossem uma marca para a minha personalidade. O problema seguinte, que se colocou à volta desta falta de toque na minha própria pele (no meu corpo) foi o relaxamento nas manifestações de amor-próprio, da certa paixão física e individual que experimentava de todas as vezes que os meus dedos passavam pela minha cintura, mal os meus olhos castanhos visualizam algum tipo de luz, tão ausente enquanto o meu quarto se encontra às escuras. Os dedos não deslizaram pelos meus lábios, pressentindo as inseguranças no queixo demasiado puxado para a frente. A língua não tocou em um dos dedos para manifestar a sua presença, não houve oportunidade de dar a entender os benefícios do sentido que possui. As minhas mãos permaneceram esticadas enquanto a minha cabeça repousava na almofada, os cabelos estavam manchados com restos de tinta azul em tons escuros (a última tentativa de pintar os cabelos não tinha corrido bem e a qualidade do material quer capilar quer do produto de pintura não eram com certeza excelentes). Não existiu um toque pessoal nas primeiras horas da manhã, um simples remexer para pressentir vida em todas as outras zonas do corpo – a preguiça transformou-se na dama de honra, transformando anos de cuidado em pleno lixo espiritual. O dramatismo subia com intensidade pelas minhas pernas à medida que colocava o leite dentro de uma taça, com intenção de misturá-lo com cereais logo pela refeição inicial de um novo dia – o slogan de saúde estava longe de fazer parte das minhas intenções, mal acabei de escrever esta frase. Enumero dois problemas que afligiram a minha alma, a quebra de rotina por mais simples que possa ser e o pequeno indício de falta de amor individual. (Salvem-me, meus caros seres humanos, um dia vou afundar-me na minha loucura já que se vai ganhando cada vez mais dimensão).
A doença começou quando a caça natural fez-se pressentir nos meus ossos arruinados futuramente por alguma doença herdada geneticamente. A dança inicia-se de todas as vezes em que a sala de espectáculo silencia-se ou escurece, a leitura de um livro começa quando a segunda pessoa escuta e o amor estreia-se quando o coração pressente. A doença começou quando essa estreia se originou de uma forma natural, num sábado à tarde. A segunda pessoa que haveria de tornar-se primeira graças a muitas demonstrações e declarações, gravadas para sempre num passado que se encontra registado na minha memória.
Oh, a doença! Assim como troco de sapatos acabo por quebrar um coração destinado a ganhar conhecimento com a minha existência, plenamente planeado e detalhado nos confins de algum lugar espiritual. A doença manifestou-se em muitas memórias anteriores, as palavras eram camufladas e conseguiam iludir-me. Mas hoje não consigo escrever sobre essa doença.
Quem sabe, amanhã. Hoje é noite de fazer amor com o meu corpo, uma vez que a alma se mantém intacta dentro de todos os meus órgãos. Politicamente incorrecta de se tocar mas completamente em liberdade para se fazer sentir ou pressentir. Toco na minha mão, neste momento e digo-vos que desisti do amor. Canto-vos essa conclusão, harmonia, pesadelo, sonho. Desisti e não volto a caçar, quem sabe daqui a uns anos.

2 comentários:

Gislãne Gonçalves disse...

Não desista!

:)
beijos

David Pimenta disse...

Infelizmente, não vejo motivos para não desistir :)