19 fevereiro, 2013

A rapariga de olhos claros



Existe alguma coisa nos teus olhos claros, uma pequena luz que sinto nas profundezas das tuas frases ao elaborares um discurso nas nossas conversas corriqueiras. Fluem nas águas do nosso rio, sem qualquer objetos alheios atirados pelas caudas de serpentes. Essas, nascidas no meio dos bancos da escola e em casas alimentadas por ganância, ambição e uma pitada de inveja. Gostamos particularmente de dar nome às coisas, aos sentimentos quando deviam ser indefinidos para explorarmos essas sensações um pouco melhor, menina dos olhos claros. Como te escrevi no caderno ainda ontem, as palavras não só nossas como ouvi o outro professor a discursar e a comentar com os aspirantes a comunicadores num futuro bem próximo dos nossos pés. Apreciava particularmente encontrar uma explicação plausível para o brilho branco no meio dos teus olhos num cenário recheado de morcegos e pesadelos desenhados a lápis de carvão num quadro negro. Desejosos de proclamar grandes aventuras de amor, de profissionalismo ou até mesmo as grandes odes quando gesticulam de uma forma demasiadamente lenta, sem a preocupação da naturalidade nas veias.

Proclama um pouco, ao meu lado, as nossas gargalhadas para os outros seres da nossa espécie reconhecerem a felicidade. Anotada, investigada, explicada para todos aqueles que não entendem a matéria dos sentimentos, da pureza. Talvez seja essa a palavra, pureza. Soletro no meio da minha sala, onde a solidão permanece deitada no meio do meu tapete, deixo enrolar-se entre os meus dedos e toco na mesa azul com a imaginação de um piano perfeito na minha cabeça. Falta-me tocar um pouco de música ao lado desses teus olhos claros, gémeos de um outro ser humano pouco semelhante a ti. Uma pessoa tem um pedaço de perfeição, gosto de repetir isto para mim mesmo nas minhas divagações. Se juntar todos os pedaços de perfeição das pessoas posso misturá-las, apertá-las e misturá-las como vários alimentos de uma receita. Posso misturar os pulmões, a traqueia, os cabelos louros, os lábios grossos, os rins numa tijela de cor viva para cozinhar a perfeição? Se Deus me deixasse fazer isso, ao criar o Adão e a Eva. Houve tantas coisas qu’Ele não fez e devia ter feito, como tantas personagens que circularam na história da humanidade. Talvez tenhas dois pedaços de perfeição, rapariga. Os teus olhos claros e a tua alma.

Continuo a pensar que as nossas almas viajaram juntas e só tinham de se encontrar neste preciso momento, ao lado de tantos corpos, esqueletos destruídos. Viver todos os dias não me cansa, ao contrário do que escreveu o Pedro Paixão. Viver todos os dias chega antes a aborrecer-me. Mas são os teus olhos claros que dão um pouco de luz aos meus castanhos, de um tom tão escuro assim como os meus cabelos.

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