16 abril, 2012

Tentei colocar um ponto final (...)

Abri a caixa com o coração ensanguentado e todas as veias à mostra, inflamadas por não estarem guardadas dentro de uma humidade humana, dentro de um conforto cru dos ossos. Senti a vontade de abrir essa caixão por não ter um sentido nesta manhã, passava das onze horas para ser mais preciso. A essa hora tive uma crise filosófica, das crises em que sou capaz de conversar com as minhas roupas, elaborar um diálogo sobre a vida, a morte, a existência. Decidi retirar a caixa que se encontrava debaixo da minha cama para encontrar um pouco de luz, apenas mais uma das tentativas que me percorrem as veias em todas as horas para encontrar um sentido, um caminho revestido a ouro. Cheirava a morte no momento em que abri a caixa negra, revestida com pequenas linhas feitas a ouro. O cheiro a morte penetrou no ar e uma vontade para dançar apoderou-se das minhas pernas magras e escanzeladas. Escrevo agora por saber qual o rumo que devo tomar daqui para a frente, nas horas seguintes. Despejo várias palavras por pressentir um fantasma nas minhas costas e por ter toda a certeza que se trata de uma personagem a encenar no meu corpo. Estes dias devoram confusão e solidão. As palavras consomem desejos sexuais, os que são libertados numa pista de dança.

Tentei colocar um ponto final mas saiu-me unicamente uma parágrafo por pressentir que tenho mais alguma coisa para contar. Quando a abri a caixa com o coração recheado de sangue dentro dela, suguei a minha própria alma para o vazio. Esse espaço sem definição e sem nome. No momento em que a destranquei, os meus cabelos castanhos adquiriram um tom avermelhado e palidez tomou conta dos pigmentos da minha pele. As filosofias tornaram-se acessórios de roupa e o sangue adquiriu um sabor doce, no momento em que passei a língua sobre as minhas mãos sujas. A juventude desvaneceu-se nesse instante e a uma obra de arte foi pintada dentro do meu coração. Na necessidade de pressentir umas mãos fortes, retirei o coração sem vida dentro da caixa. Pertencia a uma espécie de bruxa, com várias maldições na carteira e algumas visões de infelicidade no fundo da mala. Essa feiticeira pertencia a um círculo de magia negra, capaz de tomar conta do planeta se assim o decidissem. Esse coração proporcionava juventude eterna a quem o trincasse, ouvia as preces e histórias dos mais antigos na minha cabeça. Tentei colocar um ponto final mas fiquei com a eternidade à frente, a partir do momento em que os meus dentes trincaram o pedaço de carne. Desfiz as minhas intenções a curto prazo. Espera-me uma eternidade recheada de juventude até a máquina estiver desfeita.

Abri a caixa com o coração ensanguentado e nem fazia ideia de que encontraria um sentido para a vida tão carregado de pureza. A humanidade no meu corpo encontra-se glorificada, a minha alma morreu para a divindade. E os meus lábios necessitam de um beijo profundo.

6 comentários:

Leonor Neto disse...

Confuso, mas em todas as maneiras lindo, como tudo o que escreves :)

David Pimenta disse...

Talvez seja essa a intenção, a confusão. Senti a necessidade de escrever e foi o que fiz. Enfim, um dia vou-me entender.

Jelysa disse...

Arrepiei-me.

Jelysa disse...

Pode estar confuso, mas fez-me pensar (daí o arrepio). Há dias em que sinto essa necessidade de que falas e preciso de por tudo no papel. E talvez não faça sentido para mim (leitora), mas faça para ti enquanto autor...

David Pimenta disse...

Se te fez pensar é isso que me importa. Que as pessoas entrem nas minhas palavras e consigam tirar alguma coisa, nem que sejam sensações.
Eu percebo. Tu percebes na tua interpretação. E podemos morrer depois disto.

Leonor Neto disse...

E é isso não é? Necessidade de escrever, e sem sabermos bem é assim que nos vamos entendendo.